Introdução
Paulo Henrique Zanin, advogado com mais de 20 anos de experiência, encontrou seu caminho na espiritualidade em 2015, ingressando na Umbanda. Iniciou sua formação como espiritualista e tornou-se Sacerdote de Umbanda em 2018, após sua graduação no Instituto de Umbanda Sagrada Saraceni. Atualmente, lidera como dirigente o terreiro de Umbanda Sagrada Templo Sol de Aruanda. Esta é a parte 2 de sua entrevista para o Jornal do TSA conduzida por Ana Ceribelli, comunicadora, membro da corrente e aluna do desenvolvimento espiritual.
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1- Pode compartilhar algumas das experiências mais marcantes ou transformadoras que teve ao longo da sua jornada espiritual?
Olha, vou dizer para você que a experiência mais marcante e transformadora é o momento em que você tem certeza absoluta de que não está sozinho, que possui uma família espiritual que te ampara, que está ali tentando o máximo possível ajudar você a se desenvolver, a evoluir, a fazer essa passagem na encarnação da melhor forma possível. Isso, para mim, é o extraordinário da Umbanda. Eu acho que é por isso que a Umbanda é uma religião tão apaixonante, sabe?
Porque ela nos mostra isso, ela nos mostra que quanto mais olhamos para dentro da espiritualidade, mais do extraordinário aparece. Falei isso esses dias para uma filha de fé. Mas, assim, tenho várias experiências marcantes. Uma delas é sobre o benzimento.
Quando eu estava iniciando na Umbanda, ainda um novato, lembro-me de uma ocasião em que o Pai de Santo me levou para ajudá-lo a benzer as pessoas. Eu observava atentamente enquanto ele realizava os benzimentos. Lembro-me vividamente de uma senhora, de setenta e poucos anos, que tinha uma perna que estava praticamente só ossos, pele e pulsos. Os médicos não conseguiam resolver seu problema, e a amputação parecia inevitável.
O Pai de Santo me chamou para ajudar, entregou-me uma vela branca e um terço, e juntos realizamos uma prece sobre a perna daquela mulher. Parecia uma intervenção simples na época, mas os resultados foram surpreendentes.
Essa senhora voltou regularmente ao terreiro, todas as semanas, e pude testemunhar sua incrível recuperação. Vi sua perna ganhar carne novamente, as feridas cicatrizarem, e finalmente, vê-la caminhar sozinha sem qualquer apoio foi uma experiência marcante para mim. Essa é apenas uma das muitas histórias que presenciei na Umbanda, mas o poder do benzimento e da fé nesse momento em particular é algo que nunca esquecerei.
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2- Como foi o processo de abrir o Terreiro Templo do Sol de Aruanda (que carinhosamente hoje chamamos de TSA)? Quais foram os desafios e conquistas ao estabelecer o seu próprio espaço espiritual?
Desde que eu mudei e saí de um apartamento e fui para uma casa, eu sabia, tanto eu quanto o Carol (esposa e também dirigente do TSA), que nós teríamos um espaço da espiritualidade nosso, ali, para louvar os orixás. E seria um congá mesmo, com tronqueira, com tudo, ainda não tinha o projeto da casa, ainda não vivia como um Pai de Santo, mas a gente tinha um espaço ali, 14, 15 metros quadrados.
A gente montou um altar, um congá, e no momento em que eu saí do “Caravana de Oxalá” (terreiro do qual fez parte antes do TSA), que era a casa em que eu trabalhava, a gente resolveu dar início ao TSA propriamente dito. O nome do terreiro, Templo Sol de Aruanda, veio numa sessão de ayahuasca que veio o nome do terreiro. E a gente começou em casa, 10 pessoas, sei lá (eu sou péssimo de número, a Carol vai corrigir tudo…).
Mas a gente começou com 10 pessoas, incorporando, a gente começou estudando, depois alternando, incorporação, estudava num dia, incorporava num outro, dividia. Chegou um momento que a gente teve que dividir, todo mundo estudava na segunda, mas eu acho que era na sexta, metade vinha, metade não vinha, sei que a gente teve que fazer ali uma matemática muito doida.
Quando a gente se juntou, se fortaleceu e falou vai, a gente literalmente achou o primeiro espaço nosso fora de casa, que foi o espaço do João Ramalho (Rua João Ramalho em Perdizes). A gente alugou em fevereiro de 2020. E aí veio a pandemia e fechou tudo (pandemia da COVID decretada no Brasil em 03/2020). E a gente tinha um mês de aluguel, terreiro montadinho, a gente fez uma gira e fechou tudo. Eu assim, vou entregar o imóvel, vou pagar a multa, vou voltar para casa. A missão de abrir o terreiro foi até aqui, tá tudo bem, deixa pra lá.
E não, e não foi. E aí a gente foi pro Zoom com dez, quinze pessoas no máximo, e ao longo do tempo, e assim… tal pessoa pode participar? Pode entrar aí, vamos lá. E a gente falava de umbanda, não tinha um estudo orientado, mas a gente falava de umbanda. Vieram as meditações, que eu acho que salvou a sanidade de muita gente, inclusive a minha. Então a gente falava, conversava, dialogava, discutia umbanda e fazia meditações. Muitas dessas meditações, eu tenho certeza que era o Vô José ou o João Jangadeiro na minha orelha falando.
E aí a gente passou a pandemia fazendo meditação, conversando, estudando, sem nenhuma pretensão de incorporação. E a casa fechada. Aí podia abrir, a gente corria lá e abria. Aí tinha que fechar, fechava. Pode abrir, pode fechar, abre, fecha, abre, fecha. Eu sei que foi que abriu de vez, a gente olhou pra trás e a gente tinha 45 pessoas que saíram do Zoom com a gente. E eu falei, meu Deus do céu! Éramos 10, 15, viramos 40, 45. Isso no ano de 2020.
Eu sou péssimo de data, eu sei que chegou um momento que eu olhei pra Carol assim, a gente tava abrindo a gira, a gente olhou pra trás, tava literalmente a galera um incorporando em cima do outro, sabe, não tinha mais espaço. E aí a gente olhou pra cara um do outro e os dois ao mesmo tempo falaram assim: “acabou, tá na hora da gente mudar, tá na hora da gente sair daqui”.
E, vamos pra onde? E começou aquela coisa… Não, vou procurar espaço, vamos procurar espaço! E a Carol não gostava de nada e não achava. E a gente foi ver um lá perto do Poupa Tempo, quase fechamos com eles. E então, de repente, a gente entrou nesse que é onde a gente está hoje, né, na Palestra de Itália, nº 619. E a Carol falou, é aqui. E eu falei, então é aqui, acabou, é aqui!
Então, o maior desafio é saber a hora certa de mudar. E quando mudar para maior, ampliar tudo, porque você tem mais pessoas, mais pessoas para cuidar, mais consulentes, mais médiuns na corrente. Então os grandes desafios que eu acredito vêm na proporção que o terreiro toma. Acreditar que a gente ainda vai crescer, como diz o velho Vô José: “de acordo com o tamanho do nosso coração”. Segundo ele, tem coração para caber mais um monte de gente, e vamos tocando e acreditando que tudo vai dar certo!
3- Como foi o encontro com o seu guia-chefe, Vô José de Aruanda? Como é a sua comunicação com seus guias e Orixás no processo de incorporação?
Bom, o primeiro encontro com o Vô José, quer dizer, o quase primeiro encontro, foi na festa da praia. Eu não incorporava nada. Na festa da praia, quando começaram a tocar para os pretos velhos, aquela energia me tomou de um jeito, que uma aluna, mais velha da casa, veio até onde eu estava, segurou nas minhas mãos e falou: “vamos trazer o vozinho?”
E eu não consegui responder a ela, a tamanha energia que estava em cima. E o Marcão Tatu, e a galera que estava em volta, assim, estava todo mundo torcendo, esperando que isso acontecesse. Quando eu estava quase para incorporar, me passa um abençoado e me dá um tranco.
E aí, da mesma forma que eu ele quase chegou, ele foi embora. O Marcão ficou revoltado. Eu vou pegar aquele desgraçado e eu falei, o Marcão relaxa, está tudo bem. E eu não consegui incorporar nada naquela festa da praia.
Ficou um pouco de frustração assim, mas acho que era parte do processo. O tempo foi passando, e aí, em 2016, eu fui convidado para fazer a primeira consagração da Ayahuasca. Vinte amigos combinaram. Só eu apareci, só eu fui.
Eu lembro que naquela semana, antes da Ayahuasca, eu firmava uma vela branca toda semana. Muito medo e ansiedade de médium no começo de carreira! Eu firmava uma vela branca e pedia que se eu tivesse guia de verdade, se eu fosse da religião, que os guias se apresentassem para mim na Ayahuasca.
Eu queria ter essa paz no coração para saber que eu estava no caminho certo. E olha que eu sou ansioso, mas eu lido bem com a ansiedade. E eram 20 pessoas, todo mundo desistiu ao longo do caminho até que eu fui sozinho.
Eu me perdi no caminho pra chegar, já estava atrasado, já eram 08h05, 08h10. Eu parei o carro muito bravo, porque eu virava e me encontrava perdido à noite, na estrada de terra. Eu parei o carro e falei bem alto:,eu disse: “olha, se não é pra eu ir, tudo bem, eu vou embora. Não tem problema, eu pego o carro e vou embora. Agora, se for pra eu ir, já deu horário, eu vou chegar atrasado. Então, de duas, uma! Me mostra onde é o ritual e me coloca na roda, ou vou embora e chego em casa em segurança”. Eu disse isso, liguei o carro, e dei de de cara com o local certo do ritual.
Encontrei com o Vô José dentro da força lá na Ayahuasca. A gente estava sentado num terreiro de café e ele apareceu pra mim exatamente como Miguel pintou. Sem chapéu, com a camisa branquinha, sorridente, um grande crucifixo que ele carrega, sem bengala, sentado num banco de café, num banco de um terreiro de café.
Dava pra ver o terreiro de café e eu lembro que naquele dia ele falou tudo. Ele falava, falava, imagina quando você tá ouvindo pela primeira vez, maravilhado, e ele falava, olha, esse aqui é o livro de cabeceira, você tem que fazer, e aí surgiu a célebre frase, né?
– “Você tem que fazer o desenvolvimento, tem que passar por todos os graus da magia divina e eu quero que você faça o sacerdócio”. Eu não sabia nem o que era magia divina, nem o que era sacerdócio, eu apenas escutava.
Ele explicou para mim que o desenvolvimento mediúnico é o piso. A magia divina seriam as paredes, e o sacerdócio seria o telhado. Essa era a formação umbandista que ele queria para mim.
Lembro que me comprometi e senti com a cabeça que faria tudo. Ele sabia do que eu estava falando. Muito paciente, ele perguntou: “quer perguntar algo, menino?”
Poderia ter perguntado o segredo do universo, né? Mas, como todo nerd no começo de carreira, me limitei a perguntar, qual é o seu nome? Ele me deu e disse, eu sou seu Vô José.
Tocou a sineta e eu despertei para a segunda dose da Ayahuasca. “E ficou só Vô José, Vô José, Vô José.
Que gostoso, reunir essas memórias, falando e pensando alto, sabe? Não fazemos isso direto. E como é a comunicação com meus guias, meus orixás no processo de incorporação? Hoje, vou falar, atualmente, é muito forte, muito intensa.
É cheia de imagens, de conversas. Mas quando estou com as entidades, é muita fala. Consigo conversar, perguntar, discutir, saber o que é necessário. Às vezes, consigo me cuidar, conversando com eles.
É muito intenso o processo de incorporação das entidades. Nesse aspecto mental, sabe? Com quem mais brigo? Com o caboclo. Porque ele é um dos meus guias, das entidades, é o mais sisudo. Mas quando tenho uma DR com ele, é interessante.
Porque o guia não fala com você para passar a mão na sua cabeça. Às vezes sim: “claro, como você fez, acertou”. Mas a maioria das vezes, o guia está lá para te orientar, não para passar a mão na sua cabeça. Então, quando o guia diz que está tudo certo, cuidado para não ser o seu erro. São pensamentos que não são meus.
É um contato extremamente intenso com as entidades, sabe? No terreiro, antes das aulas surpresas do Vô José, eles não contam o que será. Eu perco a conexão com o mundo externo, começo a escutar o que ele fala. Gosto muito dessa conexão com eles, muito forte.
Com os orixás, a conexão é muito mais no campo físico e de imagens. Toda vez que estou incorporado com os orixás, vejo muitas imagens na cabeça, por isso consigo escrever um texto para cada orixá, aquele livro: Um velho novo na Umbanda” (livro publicado por Paulo Henrique Zanin, em 2020, disponível na Amazon https://www.amazon.com.br/Livro-velho-Umbanda-caminho-Aruanda/dp/6556741167).
Por conta disso, o orixá vem muito na questão física para espalhar a energia, da dança, e vejo muitas imagens. O guia vem mais num processo mental, de evolução, de elucidação, então consigo trazer isso mais para o mental.
4- Você pensou em desistir alguma vez?
Se eu já pensei em desistir alguma vez? Olha, eu costumo dizer para todo mundo que Pai de Santo não é uma entidade intocável, não é perfeito, não está acima das questões humanas. Sou um ser humano com minhas sombras, erros, falhas, qualidades, defeitos, desejos e ansiedades. Dentro da minha humanidade, houve uma única vez, uma única ocasião em que o TSA quase não existiu. Poucas pessoas vivenciaram esse breve momento, mas logo em seguida, o templo ressurgiu, o que me faz acreditar na intervenção da espiritualidade.
Ao longo dos anos, posso dizer que nunca pensei em desistir completamente, mas houve momentos em que, devido às minhas próprias sombras ou às ações de terceiros, senti-me desanimado. No entanto, nessas situações, a espiritualidade sempre veio em meu auxílio, mostrando-me o impacto positivo que posso ter na vida das pessoas e reacendendo minha fé e determinação.
5 – Como você vê a interseção entre a espiritualidade que te trouxe à Umbanda e a geração do Templo do Sol de Aruanda? Como esses elementos entrelaçam com sua prática espiritual?
Confiança. Desde o início, nunca duvidei da espiritualidade. Nunca questionei as orientações que recebia. A confiança nas entidades espirituais e em seu direcionamento é o que une minha jornada espiritual desde os primeiros passos na Umbanda até a criação e manutenção do Templo do Sol de Aruanda. Seguir as orientações espirituais, mesmo quando não as entendemos completamente, sempre foi a chave para o sucesso do templo e para minha própria prática espiritual.
6- Como você percebe a Umbanda enquanto uma religião de origem afro-brasileira? Qual é a importância da diversidade cultural e das tradições africanas na prática da Umbanda?
A Umbanda é uma religião que absorve e integra diversas influências culturais, étnicas e religiosas. Ela é um verdadeiro caldeirão de tradições, capaz de abarcar elementos de várias religiões e culturas, criando uma síntese única. A diversidade cultural é fundamental na prática da Umbanda, pois enriquece sua espiritualidade e permite uma compreensão mais ampla e inclusiva do divino. As tradições africanas desempenham um papel significativo na Umbanda, especialmente em linhas mais próximas ao Candomblé. No entanto, cada casa tem suas próprias práticas e rituais, e é importante respeitar e compreender essa diversidade.
7 – Por último, qual o principal conselho que você oferece a quem está iniciando os seus caminhos espirituais na Umbanda?Bem, essa é uma questão que eu gostaria de responder com o meu lema principal, certo? “Respira, criança!” Olha, “respira, criança” é a resposta ideal. Porque as pessoas, quando começam os seus caminhos espirituais na Umbanda, vêm pelos mais diversos motivos. Tem gente que começa buscando cura, tem gente que vem para aliviar uma dor, tem gente que vem pelo amor. Tem gente que simplesmente vem, entende?
Deus escreve certo por linhas tortas, os caminhos de Deus são misteriosos. Você pode usar várias frases esotéricas para justificar, mas o fato é que todo mundo começa na Umbanda por um motivo próprio. Quando entram na Umbanda, muitas vezes, entram em um estado de ansiedade, sabe? Querem saber o nome do guia, querem incorporar, querem fazer isso, querem aquilo, querem, querem, querem, querem. E eu sempre digo a todos, falo assim, calma. O mais importante aqui não é onde você vai chegar. O mais importante é você curtir a jornada. O mais importante é você apreciar a paisagem, a vista. Quando eu ando de moto, não penso no lugar onde vou ficar no final da viagem. Penso no meu maior prazer, que está nas paisagens, nas curvas, nas retas, nos postos onde a gente para e conhece outras pessoas. Está no caminho, né? A Umbanda não é diferente. Cara, consigo lembrar de cada risada que dei sendo cambone nas giras. Consigo sentir cada emoção ao cantar um ponto. Lembro da primeira vez que chorei em um barracão. Não é onde a gente vai chegar.
E voltando um pouco à aula do Trono da Evolução, porque no final, se você apreciou a viagem, vai chegar à sua melhor versão e estará pronto para continuar o seu caminho. Então, o bacana é aproveitar a viagem, aproveitar todas as experiências que uma religião tão intensa, tão visceral, pode te proporcionar. Então, meu principal conselho é: respira, criança! Deixa acontecer, sabe? Recebo muitos médiuns que, nos primeiros dias de aula, não incorporam nada, é muito difícil. E dois meses depois, estão incorporando várias entidades e vêm até mim dizendo: nossa, eu consegui! Aí eu pergunto para a pessoa: é difícil? Ela olha para mim meio incerta e responde: é, não é fácil.
Eu digo: eu não te disse, calma, dá tempo ao tempo. Você não está competindo com ninguém ao seu lado, esse é outro conselho essencial. Muitas vezes, no desenvolvimento, as pessoas ficam olhando quem incorpora mais, quem incorpora menos. Eu digo que a espiritualidade não tem janela lateral. Tem o para-brisa bem amplo, bem largo, e o retrovisor bem pequenininho. Para que o médium não olhe para os lados, mas sim para trás, veja de onde veio, e olhe sempre para frente. Acho que esse é um ponto importante. E é isso, vivencie com alegria, com leveza. Espiritualidade, para mim, na linha das conversas com o Vô José, não é algo pesado. Espiritualidade tem que ser algo leve, feliz, que te eleve.