
Diário de Sacerdócio – Parte 4 – A Magia do Amaci
A Umbanda é uma religião de mistérios, magia e alquimia, que nos instiga profundamente a cada passo dado.
Um dos mistérios mais fascinantes e intensos é o ritual do Amaci, que no decorrer do sacerdócio será feito quatorze vezes, para que o estudante receba na sua coroa cada orixá dos sete Tronos de Deus.
O ritual é feito no terreiro (não em ponto de força), por meio do qual o Sacerdote responsável faz a lavagem da cabeça (Ori) do médium/estudante de sacerdócio com um preparo de ervas maceradas em água, que possuem a energia do Orixá, facilitando o contato entre o médium/estudante e o respectivo Orixá. Na prática, o Sacerdote responsável deposita as ervas no topo da cabeça, é feita uma oração e emanação de energias neste momento. A gira segue então com as ervas sobre a cabeça do médium, que devem permanecer até a manhã do dia seguinte para a materialização daquele axé.
Vale dizer que nas aulas de desenvolvimento mediúnico os alunos também recebem o Amaci dos seus pais e mães de santo para abertura do mistério no início dos estudos de cada Orixá, de forma semelhante. Portanto, não é um ritual presente apenas no sacerdócio.
Assim, o ritual do Amaci é considerado fundamento material da Umbanda Sagrada, e, segundo Rubens Saraceni, seu efeito é tão poderoso quanto derramar o sangue de certos animais na feitura de cabeça de outros rituais (Fundamentos Doutrinários de Umbanda, Rubens Saraceni, Editora Madras, 2018). Nas palavras certeiras de Rubens Saraceni: “Temos de preservar esses fundamentos, aperfeiçoá-los cada vez mais e estimular o uso deles, porque quando uma pessoa com mediunidade aflorada faz determinado resguardo predispondo-se para receber o amaci, ela vai receber uma irradiação energética muito forte que, por meio do elemento vegetal colocado na cabeça dela, junto com aquela água naquele momento derramada, vai purificar todo seu mental, vai deixar sua coroa purificada; aí sim vai receber a irradiação do seu Orixá” (Idem, pg. 163).
O Amaci é feito com ervas frescas e a preparação demanda o ato do Sacerdote responsável por realizar o ritual, seu amor e sua fé ao macerar as ervas. Depois, deixará repousando numa mandala do Orixá a ser consagrado, iluminado com suas velas diante do altar. Assim, os médiuns/estudantes recebem todo o carinho e a intenção do seu Sacerdote espiritual juntamente com o Amaci.
Porém, não basta apenas o médium/estudante comparecer na gira para receber o Amaci. Há um preparo anterior, obrigatório no Sacerdócio, chamado de preceito, por meio do qual se purifica o corpo e as energias mais densas, tornando o corpo apto a receber o Axé do Orixá.
O Preceito básico se constitui em, pelo menos nos três dias anteriores ao dia marcado do Amaci: 1) não comer carne de qualquer tipo; 2) não ingerir álcool/drogas; 3) tomar os banhos recomendados para cada um dos três dias; 4) dormir na esteira (que detém o mistério vegetal e auxilia na conexão espiritual); 5) acender as velas recomendadas e fazer as intenções e conexões anteriores, pedindo o auxílio dos guias nas conexões espirituais que serão feitas. Recomenda-se ainda meditar, manter-se livre de brigas e discussões, acalmar as emoções e a mente. Trata-se de lavar o corpo e a mente, para então purificar o espírito e fortalecer a vibração de Deus relativa ao Orixá por meio do Amaci a que for dedicado.
E logo na minha primeira experiência com o preceito do Sacerdócio, para o Amaci do primeiro trono de Deus, trono masculino da fé do amado Orixá Oxalá, as energias já foram intensamente sentidas, em casa mesmo, na preparação do primeiro banho. Possivelmente pela minha necessidade de incorporar as virtudes desse Orixá, do qual estava um pouco afastada, a energia veio forte e logo me mostrou muitas mudanças as quais eu deveria interiorizar, dentro dos meus sentimentos e das minhas reações.
Primeiro, afetou minha impressão da passagem do tempo. Tive a impressão de que de uma grande lentidão, de que os segundo demoravam mais a passar. Tomada por essa mudança, comecei a fazer minhas pequenas tarefas com mais consciência, aproveitando cada segundo de cada atividade daquele dia. Era como se o hábito de “estar sempre correndo” e não saboreando os minutos do dia, seja agradecendo ou mesmo entendendo o que acontecia de fato, não poderia mais ser. Lembro de me sentar na cadeira e contemplar aquele minuto, agradecendo o aprendizado simples e profundo.
Também me fez entender que é preciso paciência para entender que cada coisa tem seu tempo de crescer, de florescer. Por que queremos tudo para ontem se não estamos muitas vezes preparados para a colheita? Na terra, cada semente tem seu tempo de plantio, de cultivo, para então o fruto ser colhido. E essa é uma sabedoria de um grande ancião, sobre o tempo de cada coisa, e aguardar a tão esperada colheita, que, acima de tudo é um ato de fé!
Isso não significa que devemos ser passivos, porque a fé é um ato de acreditar profundamente e entregar seus esforços diários aos desígnios de Deus. Acreditar é verbo ativo, que deve ser renovado a cada dia. Não se trata de controlar ou da sensação de controle. É o oposto! Trata de soltar e entregar seus esforços, suas necessidades e seus problemas e confiar que Deus nos responderá no momento certo.
A percepção de que Oxalá naquele momento vinha me transmitir esses ensinamentos foi bastante nítida. Toda razão ao mestre Rubens!
E ao mesmo tempo que fiquei em choque, porque não esperava qualquer canalização numa quinta-feira ordinária de início de preceito, foi uma das experiências que me revelou a magia do Amaci na Umbanda, quando Oxalá alterou e calibrou dentro de mim as equivocadas percepções construídas até então sobre a fé, para mostrar que cada passo dado com fé vai semear uma colheita verdadeiramente feita dentro da vontade de Deus, onisciente e do qual eu também sou um instrumento.
Feito então o preceito, segui para receber a lavagem do meu ori com as ervas de Oxalá na gira da querida mãe Maria de Fátima. Houve a incorporação do Orixá Oxalá e do caboclo da linha da fé, o Senhor Águia Dourada, que me inspirou a compartilhar essa experiência, e quem sabe, incentivar a pavimentar fé em quem puder ler essa história.
Sendo um ser encarnado e imperfeito, ainda estou construindo e consolidando os conceitos passados. Mas que houve uma pavimentação sólida interna, não posso negar, apenas agradecer este encontro e me esforçar para refletir a mudança que recebi.
Honrada com tamanho aprendizado e oportunidade, continuo renovando a fé a cada dia, nem sempre com sucesso, mas seguimos tentando. Que cada passo nosso seja dado com fé, na certeza de que somos abençoados filhos de Deus, e que temos em nossa companhia todos os Orixás, os guias e mestres de luz.
Saravá grande Senhor da fé Oxalá! Axé!
Autor: Juliana Kleine.
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