Uma reflexão sobre o tempo e a Orixá Logunã

Uma reflexão sobre o tempo e a Orixá Logunã

Nesse Diário quero falar de um Amaci muito especial, de uma grande mãe. O Amaci recebido no Sacerdócio nas forças da Orixá Logunã, que ocupa o trono da fé na parte cósmica e feminina, fazendo “par” junto ao pai Oxalá, o irradiador que ocupa o respectivo trono masculino, nos termos da doutrina de Pai Rubens Saraceni. 

Nessa quinta edição homenageando Pai Ogum tivemos a oportunidade de voltar no tempo para recordar do Orixá Mallet, o primeiro Orixá incorporado em trabalhos de Umbanda, que ocorreu há mais ou menos 100 anos atrás. Nessa época, os Orixás raramente aparecem em Tendas de Umbanda. 

O nome Logunã mesmo não era conhecido, chamava-se Oiá-Tempo, sendo a orixá que cuida da noção de “tempo” (segundos, minutos, horas, dias, meses, séculos e assim por diante). Pai Rubens a nomeou como Logunã em seus livros, porém, ela não perdeu sua qualidade de cuidar do tempo. 

É sabido que demoraram décadas até que a incorporação dos orixás se tornasse procedimento das aulas de desenvolvimento mediúnico e do Sacerdócio, em geral no recebimento do Amaci. Porém, pouco refletimos o quanto nós umbandistas – nos tempos de hoje – somos abençoados por esse contato íntimo com os quatorze tronos. E esse foi um momento muito especial do meu Sacerdócio, inesquecível. 

Orixá Logunã é conhecida como uma orixá dura, sua imagem em geral possui uma espada, trabalhando no equilíbrio dos campos da fé, cortando os excessos, como fanatismos e radicalizações. É guerreira, justiceira, denota ser implacável no seu campo de atuação. Onde Oxalá irradia, ela absorve e equilibra, por isso, é chamada de orixá cósmica. 

Um primeiro contato com orixá assim poderosa causa uma ansiedade, certa angústia. Como será essa nossa primeira interação? Será que nos entenderemos ou vai ser uma chuva de broncas e cortes? As dúvidas vão surgindo no limiar do início do trabalho. 

Naquela noite o tempo colabora e tudo se inicia perfeitamente. Organiza-se a fila, mãe Fátima abre a gira, cantamos os hinos, nos concentramos. Recebemos as ervas no ori da mãe e mães pequenas, sentamos e aguardamos a hora da sua chegada. 

A curimba recebe a autorização e os pontos começam a tocar. Mãe Fátima a recebe primeiro e somos autorizados a recebê-la. Que comoção! Gira-se e gira-se e como gira essa orixá! Ela trabalha em ciclos, assim como o tempo, iniciando e terminando no mesmo ritmo, podendo acelerar ou diminuir o ritmo, mas sempre num ritmo certo! Assim como o mundo que gira num ciclo próprio, nossas células giram, tudo que é vivo gira e tem um ritmo certo de desenvolvimento, e todo esse movimento por ela é regido. Que orixá complexa!

Então, para minha surpresa, começamos um diálogo. Ela esclarece que o contato com os erês na Umbanda só ocorre graças a sua força: pois apenas ela é capaz de transportar nossa mente para aquelas memórias de quando éramos pequenos para cura da criança interior, realizando essa conexão de volta ao tempo. Por isso é muito comum o resgate da infância por meio dos erês dentro da Umbanda Sagrada, trazendo profundas curas necessárias a quem trabalha com essa linha. Agradeço por essa clareza, pois eu mesma me beneficiei desse processo de cura!

Depois disso, ela me traz um movimento de oito, aquele oito deitado, o sinal que conhecemos hoje como infinito. Mais uma vez recebo a explicação: o tempo, minha filha, é infinito! Não tente acelerar ou fazer tudo com pressa, o tempo tem seu próprio ritmo e não é você quem o controla. Apenas aproveite e seja alegre no tempo que está sendo dado para você. Hoje você tem apenas o hoje, embora seja uma percepção limitada dessa dimensão onde você vive, alegre-se, pois, esse é seu presente. E em cada momento, esteja realmente presente, e sinta a alegria de estar nele, pois é isso que ela espera de mim. 

Para limpeza final, trazemos os boiadeiros, boiadeiras, vaqueiros e vaqueiras. A gira termina e eu agradeço por tamanhos ensinamentos. Orixá Logunã guerreira, cósmica, ao ter comigo, foi uma grande mãe. Aqui minha pequena homenagem a ela e o compartilho porque talvez possa alegrar e ajudar mais pessoas por aí, que ainda aguardam e temem a sua atuação temporal. Que o calor do seu abraço seja sentido por todos que assim necessitem. 

Olha o tempo minha mãe! 

Ilustração: Mayara Assis