Oroiná: a rainha do fogo

Oroiná: a rainha do fogo

De todos os Orixás de nossa Umbanda, talvez a menos conhecida seja nossa senhora do fogo, Oroiná. Se você não é da Umbanda, ou é, mas não conhece esse nome, não se sinta mal: ela foi apresentada ao nosso pai Rubens Saraceni (1951-2015) por seu mestre espiritual, pai Benedito de Aruanda. Vale lembrar que pai Rubens começou a intensificar seus estudos mediúnicos a partir da década de 1990, o que é muito recente!

Ou seja, o culto a Oroiná tem aproximadamente de 20 a 30 anos.

Isso não significa que ela não existisse antes, ou muito menos que tenha sido uma “invenção”. O que acontece aqui é que, apenas agora no século 21, seus mistérios estão sendo mais conhecidos e compreendidos. Sua principal atribuição – de fogo purificador – era associada a diversos outros Orixás, a depender do entendimento do sacerdote de Umbanda, Candomblé ou outro culto de matriz africana.

Tradicionalmente, associa-se o fogo a Xangô, mas, em África, e em cultos de nação, o fogo também pode ser uma qualidade de Iansã (no caso, Iansã Kará), ou o elemento de um Orixá próprio (como Aganju ou Airá). Afinal, temos que nos lembrar de que alguns mitos (principalmente de Candomblé Keto) falam em 400 Orixás – sendo apenas alguns deles conhecidos nesse plano.

Conforme os estudos de espiritualidade vão avançando, vamos acessando os mistérios e, por conseguinte, nosso conhecimento sobre as religiões de matriz africana. Esse é o caso de Oroiná.

Inicialmente, ela era chamada de Egunitá. Entretanto, já existe uma Egunitá – trata-se de Iansã Egunitá, que, em diversas casas de Candomblé, aparece como uma Iansã ligada aos mortos (egunguns). Assim, pai Benedito orientou que essa Orixá revelada fosse chamada por outro nome: Oroiná. 

Seu nome, por sua vez, pode ser entendido de diversas maneiras, mas, se quisermos ir até as línguas nagô-iorubá, encontraremos a definição: “Oro” (palavra) e “Ina” (fogo). Ou seja, podemos entender que Oroiná é a “palavra do fogo”, algo que combina com sua forma de atuar.

É preciso lembrar, ainda, que nos referimos à linguagem em contexto religioso, as palavras não tem um significado literal. Ou seja, elas são uma representação de algo a mais. E esse pode ser o caso aqui. Quando pensarmos nos atributos de Oroiná, deixaremos isso mais claro.

Primeiro, é importante dizermos: no panteão da Umbanda Sagrada, Oroiná faz contraponto a Xangô, isto é, ela é a sua “dupla”. Enquanto Xangô é o Orixá da justiça, aquele que equaliza e racionaliza tudo em busca do equilíbrio, Oroiná é aquela que cura pelo fogo consumidor. Como assim? Se pensarmos em um sentido prosaico, o fogo apenas acaba com tudo. Mas em linguagem religiosa, o fogo é um símbolo da renovação, e esse é o principal atributo de nossa Mãe Oroiná.

Sua energia ígnea pode ser usada para trazer a renovação de todos os campos da vida (fé, amor, conhecimento, justiça, lei, evolução, geração) de uma pessoa, ao ser direcionada para acabar com os desequilíbrios que porventura a estejam afetando.

Sua atuação pode também ser polarizada com Ogum (Orixá masculino do trono  da Lei). Ele promove a Lei, ela, a Justiça. E aqui estamos usando a linguagem religiosa, mais uma vez. A energia de Ogum é de organizar os campos da vida, e a de Oroiná é de acabar com as irregularidades que estão afetando esses campos, seja tirando os extremos, ou fortalecendo a energia organizadora (popularmente falando “gerando energia”).

E, se Oroiná se polariza com Ogum, Xangô se polariza com Iansã (Orixá feminina do trono da Lei). O fogo de Xangô “aquece”: ele estimula a busca pelo equilíbrio nos campos da vida; ele “aplaina” o campo espiritual de uma pessoa. Quando ela entra em equilíbrio, Iansã surge como a Orixá que traz o movimento, a mudança.

Contudo, Oroiná também atua com Xangô. Se uma pessoa está exageradamente energizada (ou sem nenhuma energia), podemos entender que a energia de Oroiná está atuando sobre essa pessoa de forma inadequada. Ou ela está com uma força tão grande, que não consegue gerir seus problemas, ou ela está com uma força consumidora exagerada, e aí nada se sustenta. Logo, Xangô é evocado para trazer esse equilíbrio, para controlar o “fogo”.

Por sua vez, se uma pessoa está com a força de Xangô agindo de forma inadequada (agindo de forma extremista, seja em permissão ou omissão, por exemplo), Oroiná é evocada para acabar com esse extremismo.

Oroiná e os ciganos

Oroiná pode reger diversos guias, mas a linha de trabalho que é regida diretamente por ela é a dos ciganos, que tem energia ígnea em seu arquétipo, e, por meio dela, trazem ânimo, renovação e transformação aos consulentes.

A padroeira dos grupos étnicos ciganos é Santa Sara Kali, logo, é ela que é sincretizada com Oroiná. Se você, que tenha nascido em berço católico ou evangélico e nunca ouviu falar de Santa Sara, não se preocupe: ela é uma santa pouco citada pela Igreja Apostólica Romana, mas é popular no Reino Unido e sul da França.

A origem do nome “Kali”, por sua vez, tem algumas teorias, e as principais envolvem o fato de povos ciganos terem vindo da Índia. Uma delas fala que ele teria vindo da assimilação que os ciganos fizeram entre a imagem da santa e da deusa hindu Kali. Outros falam que o nome é derivado da palavra híndi “Kaala”, que significa “preto”, devido à cor da pele de Santa Sara. Porém, são teorias baseadas em conhecimentos orais, uma vez que a maioria dos grupos ciganos é de tradição ágrafa (conhecimento não escrito). Seja como for, sua saudação é “Kali Ye”, que pode ser livremente traduzida como “Salve a [senhora de pele] negra”.

Símbolos e ervas

A energia de Oroiná emana ondas vibratórias de tons quentes, e o principal deles é o laranja, mas esse tom pode ser complementado com velas vermelhas ou amarelas, a fim de que energias mais específicas sejam ativadas.

O símbolo principal de Oroiná é a estrela de seis pontas, simetricamente igual na metade de cima e de baixo, e podemos entender que essa simetria representa, justamente, seu fator de equilíbrio.

As ervas que melhor trazem sua energia, por sua vez, são aquelas de forte característica abrasiva, como frutas e folhas cítricas e ervas de energia ígnea. Dos exemplos mais conhecidos, temos acerola, pitanga, laranja, arruda, agrião e açafrão.

Frutas e folhas de cor alaranjada e avermelhada também podem ser ativadas em sua energia, mas, nesse caso, para trazer uma energia equilibradora ou restauradora, como no caso do caqui, gengibre, cravo-da-índia e cenoura.

Já entre as folhas verdes, podemos citar aquelas com fatores de cicatrização e energização, como alecrim, folha de limão, artemísia, mastruz e menta.

Dentre as flores, prefira as de cor alaranjada, como lírio, cambará e calêndula.

E lembre-se: para fazer um banho de ervas, você precisa rezar as ervas e, se a erva não for alimentícia, evite fazer o banho da cabeça para baixo.

Das pedras, por sua vez, podemos citar jaspe-de-fogo, ágata-de-fogo e versões laranjas de pedras como calcita e topázio.

Assim, essa é a nossa maravilhosa Oroiná, senhora do fogo, que traz a seus filhos energia, ânimo e disposição!

Kali-Yê, minha mãe!

Professor e escritor de São Paulo, sou umbandista desde 2020, Escrevo Literatura, tenho formação em Letras e Oxalá de frente (aluno do desenvolvimento mediúnico de quinta-feira).