
Dia 13 de maio – Dia de saravar o Preto-Velho
A figura do velhinho que nos acolhe, escuta as nossas angústias e nos ajuda a dirimir o peso amargo do sofrimento foi, com o tempo, facilmente cristalizada no imaginário popular brasileiro. Mesmo quem não sabe nada de Umbanda já pode ter ouvido falar do tal do Preto-Velho mandingueiro e curador.
Esse arquétipo preto e velho alude, de forma superficial, ao sistema escravagista perpetrado no Brasil e, por conseguinte, a todo o sofrimento imposto à população africana e afrodescendente que trabalhou forçadamente para sustentar a colônia. Não é incomum, por exemplo, ouvir de um Preto-Velho conselhos baseados em suas vivências na senzala. Contudo, familiarizando-se minimamente com essas entidades tão carismáticas, esse arquétipo espiritual ganha uma profundidade mais relevante, pois nos remete a valores ancestrais de sabedoria, humildade e caridade. Esses dois fatores contribuíram muito para a importância religiosa dos Pretos-Velhos e, consequentemente, não é simples acaso que 13 de maio tenha sido escolhido como a data para se celebrar essas entidades na Umbanda. É sabido que, nesse dia, no ano de 1888 (um ano antes da Proclamação da República), aboliu-se a escravatura no Brasil e formalizou-se a liberdade dos pretos cativos por meio da famosa Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel. Nada mais natural que definir esse dia simbólico para enaltecer o Preto-Velho, figura espiritual tão querida e honrada.
Nesse momento, permito-me fazer uma (não tão breve) explicação. Quando fui orientado a escrever esse texto, fiquei preso em um conflito: por um lado, sei que a assinatura da abolição, no dia 13 de maio, representou para muitos apenas a oficialização de um processo político-social que se materializava continuamente, por exemplo, por meio de inúmeros projetos de resistência organizados pela população preta escrava. Esse fato, por si só, nega a visão muito difundida historicamente de que a população preta em sua maioria aceitava o regime escravagista sem se manifestar de alguma forma. Por outro lado, sei também que o Preto-Velho vem ao terreiro ensinar paciência, resignação, humildade, tolerância e fé, para que
- Conferir Os arquétipos da Umbanda: As hierarquias espirituais dos Orixás, de Rubens Saraceni (2007, reeditado em 2023), para mais informações sobre esse arquétipo espiritual.
- Conferir Os quilombos e a rebelião negra, de Clóvis Moura (1981, reeditado em 2022), além de outros títulos do autor.
possamos lidar melhor com as nossas desventuras que tanto nos machucam. Por alguns dias, refleti e questionei: como atrelar em um texto sobre o dia 13 de maio, data tão polêmica no bojo das discussões sobre preconceito racial, essas duas ideias aparentemente opostas? Para sair dessa sinuca, conversei com meus pais de santo, com alguns irmãos de fé e, finalmente, fui amparado e orientado pelos meus amados vovô e vovó. Tentarei, agora, exprimir todo esse conjunto de inspirações que recebi.
Celebrar o dia 13 de maio em homenagem aos Pretos-Velhos não é uma comemoração material, mas sim uma conquista espiritual. O arquétipo do Preto-Velho simboliza e manifesta exatamente isso: a vitória do coração sobre o corpo; a conquista do espírito sobre as vicissitudes da matéria. Atrelar esse dia ao suor e ao sangue derramados e à liberdade do corpo é ato de lembrança material, voltado principalmente para a busca perseverante e necessária da igualdade racial. Urgente, porém, é sempre fazer a reflexão de que o mundo material possui matizes (do preto ao branco) que não fazem jus à natureza do espírito imortal. Nesse sentido, apresenta-se uma alternativa de olhar para o dia 13 de maio justamente pela ótica espiritual, isto é, o dia do Preto-Velho não comemora somente o momento em que o corpo preto escravizado no Brasil ganhou liberdade material, mas principalmente o dia em que o espírito desse mesmo preto, marcado pela opressão, elevou-se e preferiu perdoar, abdicando de todo o ódio sentido na pele. Celebrar o Preto-Velho é, dessa forma, incorporar para si exatamente o que se manifesta por meio desse arquétipo espiritual: cultivar a humildade acima de tudo e prestar a caridade sempre que possível.
Enquanto escrevo esse texto, percebo-me como uma criança sentada aos pés do vovô, que bebe seu cafezinho e dá os pitos no seu cachimbo. Olho para cima e vejo toda a sabedoria ancestral que brilha e ilumina a minha ignorância infantil, que sonha um dia em ser como o vovô que tanto me ajuda. Esse momento, em que a criança aprende com o vovô, retrata a celebração do dia 13 de maio que aqui se propõe – a tentativa de absorver todo esse conhecimento trazido pelos Pretos-Velhos e buscar exatamente o que eles ensinam: elevar o espírito pela fé, pelo amor e pelo perdão, independente do que aconteça.
A esse respeito, datas religiosas se colocam como excelente ferramenta de aprendizado e exercício espiritual. Acredito que, quando muitos, em um mesmo momento (como no dia 13 de maio), emanam e irradiam de si a reverência e a adoração à sabedoria ancestral, bem como a força do perdão e do amor exemplificada por todos os espíritos que se apresentam como Pretos-Velhos, forma-se uma espécie de “egrégora” luminosa que se expande no espaço, quanto mais forte e verdadeiro for o sentimento compartilhado – um verdadeiro bálsamo energético capaz de elevar os ânimos de quem se encontra ao seu alcance e tem o peito aberto para se conectar. Praticar esse exercício, não apenas no dia 13 de maio, é sintonizar-se naturalmente com as inúmeras falanges de Pretos-Velhos e Pretas-Velhas e receber o amparo necessário para conseguir materializar essas virtudes durante sua caminhada terrena. Essa, para mim, é a função primordial do dia 13 de maio: aprender com os nossos vovôs e vovós que vale a pena o esforço para ser bom, mesmo que tenhamos ainda muitas vidas para que a lição seja concluída.
Eu não sei quantos 13 de maio eu já vivi e ainda vou viver. Mas sei que, todas as vezes em que intuo as palavras do Preto-Velho que me acompanha, eu me sinto mais esperançoso e mais feliz. O dia 13 de maio já se passou, mas os nossos queridos e amados Pretos-Velhos trabalham incessantemente em nosso benefício. “Preto-Velho está cansado de tanto trabalhar”, mas trabalha mesmo assim. Que esse empenho seja exemplo para o nosso próprio exercício de elevação espiritual.
Saravá, Preto-Velho! Saravá, Preta-Velha! Adorei as Almas!
Agradeço as inspirações ao meu pai de santo, Paulo, à minha mãe de santo, Carol, ao meu irmão de fé, Lucas, e à minha irmã de fé, Juliana K.
Agradeço a orientação e a proteção ao Vô João e à Vó Joaquina que me acompanham. Axé!
Autor: Diogo Henrique Alves da Silva.
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