
O arquétipo de Preto Velho

Engenho de Itamaracá – Franz Post (1651)
Quando pensamos no arquétipo de Preto Velho, temos dois pontos principais a analisar. O Preto, representando o negro escravizado, e o Velho. Começaremos por esse segundo.
Enquanto linha de trabalho e símbolo arquetípico, temos no Velho a figura do ancião, do sábio e da humildade que só a sabedoria, resultado de uma vida longeva, produz. Inspira também serenidade e ancoramento.
O Preto nos remete a figura de um povo, de uma origem e de uma presença que define o desenvolvimento do país. O Brasil que conhecemos hoje não seria possível sem as figuras do indígena e do africano à imprimirem sua cultura, crenças e costumes, bem como o resultado de sua força de trabalho na história da nação. O indígena que já ocupava este solo muito antes da chegada dos europeus, e o africano como força braçal que construiu propriamente o país. O corpo do preto foi um grande impulsionador da economia do Brasil por muito tempo, seja como produto de trocas comerciais ou mão de obra extremamente barata à gerar riquezas aos senhores de engenho da época. É também muito notória a presença da ancestralidade africana em nossa população. Não há brasilidade sem considerar a figura do africano na história do país.

Festa de negros e índios no interior de Alagoas, Frans Post (1653)
A linha de Pretos Velhos está intimamente entrelaçada ao período de escravidão no Brasil, o qual durou 388 anos. Os negros trazidos da África que conseguiam chegar vivos ao Brasil viviam muito pouco tempo, sua média de vida estava entre 30 e 35 anos. Muitos, antes guerreiros tribais, morriam no chicote lutando contra esse movimento que tinha como uma de suas consequências a eliminação da cultura herdada de seus ancestrais. Diversos outros cometiam suicído por não aceitarem facilmente o “adestramento” ao qual eram submetidos devido ao estado de escravidão. Outros ainda morriam em conflitos durante as tentativas de fuga. E apesar de todas as dificuldades enfrentadas, muitos procriaram.
As crianças negras que nasciam em meio a este período da história brasileira eram tidas como propriedades de seus senhores e, portanto, iam sendo catequizadas e batizadas pelos colonizadores na doutrina da religião professada pelos mesmos, ou seja, a religião Católica.
Dito isso, podemos refletir que grande parte das entidades que representam os Pretos- Velhos nos terreiros seriam os descendentes desses escravizados os quais cresceram e conviveram com a harmonização das crenças de seus antepassados e a doutrinação católica. Percebemos isso nos terços e rosários, nas falas sobre Deus e Jesus Cristo e também nos nomes das entidades como Pai João, Mãe Joana, Vô José, Vó Ana.

Brasileiros de Recife, Frans Post (1640)
No entanto, há também a figura do Preto-Velho ancião, que conseguiu envelhecer na condição de negro escravo e encontrou o caminho da harmonia entre opressor e oprimido, alcançando, desta forma, a mais legítima personificação da resiliência humana.
O Preto Velho, com sua sabedoria, humildade e simplicidade, vem nos trazer a lição de como é possível encontrar resignação e harmonia mesmo em meio a tamanha crueldade, adversidade e descontrole advindas de seus algozes.
Enquanto espírito em evolução, e no caminho da ascensão, nos faz pousar o olhar em nossas próprias feridas, amarguras e os grilhões que nos limitam pensamentos, atitudes e ações como oportunidade de crescimento, desenvolvimento e libertação através da prática do perdão.
Preto Velho no terreiro, sentado em seu banquinho, com suas ervas, seu cachimbo, cafézinho e suas mirongas, vem atuar em nossas vidas sempre trazendo reflexões, curas espirituais, emocionais e existenciais a partir de um olhar justo exatamente sobre as questões que nos aprisionam e afastam de nosso caminho de desenvolvimento. Ele traz em sua mensagem a possibilidade de nos relacionarmos com a vida de uma forma mais pacificadora, amorosa e acolhedora.
“Acolhe o que tem, acolhe a realidade e se organize com o que vem a seu encontro.“
Ao atuar em nossas consciências, Preto-Velho nos auxilia em transcender as dificuldades que nos abatem, e com isso vamos conseguindo largar as amarras, trazendo novos padrões de comportamento e estrutura emocional que, por consequência, vem melhorar a forma como nos relacionamos com a vida e todos ao nosso redor.
Salve todos Pretos e Pretas Velhas desse Brasil! Adorei as almas!
Nota sobre o pintor: Frans Post (1612-1680) foi um pintor holandês. Chegou ao Brasil na comitiva do conde Maurício de Nassau quando esse foi designado para governar as terras conquistadas pela Holanda, no Nordeste do Brasil. Frans Post tornou-se o primeiro paisagista do Brasil do século XVII.
Publicar comentário
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.