Entrevista com Ashleigh Bortolotti, Mãe Pequena do TSA

Entrevista com Ashleigh Bortolotti, Mãe Pequena do TSA

Ashleigh Bortolotti é a Mãe Pequena no Templo Sol de Aruanda (TSA). Com uma trajetória marcada por sensibilidade espiritual desde a infância, Ashleigh encontrou no TSA não apenas um espaço de acolhimento, mas também sua verdadeira casa espiritual. Sua caminhada é profundamente conectada à fé, à maternidade e ao compromisso com o desenvolvimento mediúnico. Como Mãe Pequena, ela atua com dedicação no apoio aos médiuns em formação, no acolhimento dos consulentes e na sustentação da corrente espiritual da casa.

Nesta entrevista, Ashleigh compartilha com generosidade suas experiências, aprendizados e desafios vividos dentro e fora do terreiro, revelando a força da fé, da ancestralidade e da espiritualidade em sua jornada pessoal.


1. Como foi o seu caminho até encontrar o TSA?

Eu venho de uma família católica não praticante e, desde pequena, sempre tive algumas visões, sensações, escutava algumas vozes (e até conversava com elas), mas assim como muitas crianças, tive medo e sentia muita dor de cabeça. A minha avó me levou algumas vezes numa benzedeira que eu adorava (lembro daquele cheiro de arruda e cachimbo até hoje) e frequentei muitas giras de Erês com a minha tia, mas comecei a minha caminhada mesmo no espiritismo, o qual frequentei por muitos anos. Foi um período de muito aprendizado, mas, aos poucos, foi perdendo o sentido. Faltava algo.
O batuque da Umbanda sempre me encantou, então, com o tempo, comecei a frequentar alguns terreiros e trabalhei como cambone em uma casa por pouquíssimo tempo. Ainda não era o meu lugar — no fundo eu sabia que não era.
E continuei a minha busca.
Tive que viajar a trabalho, fiquei alguns meses fora de São Paulo e tive um burnout que me deixou despedaçada. Retornei para casa e senti que estava na hora de encontrar o meu caminho. Mas como?
Digitei no Google: Terreiro na Barra Funda. Peguei as informações do primeiro que apareceu e vi que ia ter uma gira de Preto Velho na próxima segunda-feira. Peguei a senha online e fui.
Chegando lá, quando meus pés encostaram no solo sagrado do TSA, o meu corpo todo se arrepiou, meus olhos encheram de lágrimas, olhei para o Congá e senti que algo diferente havia ali.
Tinha mesmo. Entrei naquela gira de segunda, na quinta eu já estava na aula de desenvolvimento — e nunca mais saí.
Finalmente eu tinha encontrado a minha casa, mas naquele dia eu não imaginava que a minha vida mudaria TANTO.
Que lembrança boa lembrar dessa trajetória e, principalmente, do primeiro dia que pisei no Templo Sol de Aruanda.

2. O que mais te curou no processo desde que chegou ao terreiro?

Nossa, são tantas camadas que eu não sei nem por onde começar — e precisaríamos de um dia todo também.
Tudo começou com um desejo muito profundo de mudar.
Sinto que me curei em muitos lugares, mas o principal foi trazer a minha espiritualidade pra perto, aceitar as minhas falhas e buscar a minha melhor versão sempre. Ter os meus Guias por perto segurando a minha mão com muita paciência, trazendo tantos ensinamentos e também muitos conselhos que fizeram muita diferença.
No fim, a decisão de mudar era só minha!
No momento em que eu entendi que eu poderia ser uma pessoa melhor e o poder da fé em minha vida, tudo mudou — e quando digo tudo… é tudo mesmo!
Acredito que em nossa trajetória de vida e também espiritual, sempre teremos feridas antigas para curar, dores para superar, desafios profundos no nosso dia a dia, novos aprendizados e também aceitar que podemos ser felizes independente do que aconteceu no passado.
E não poderia deixar de mencionar o Pai Paulo e a Mãe Carol, que sempre foram tão presentes e acolhedores com tantas dúvidas e dores que eu trazia em minha bagagem. Foram tantas mensagens trocadas, abraços, choros, conselhos — e também um oceano de gratidão por eles existirem.

3. Qual é a sua conexão pessoal com Oxum e o que ela representa na sua caminhada?
 

Ah, Oxum… Uma parte belíssima dos meus dias.
Costumo dizer que divido a minha vida em dois momentos…
Quando não conheço Oxum e quando aceito Oxum em minha coroa e também em minha vida.
Quando penso em Oxum, imediatamente sou tomada pelo sentimento de amor, que é a minha maior base com ela.
O amor que está tão presente em minha vida e transformou completamente a minha caminhada.
Oxum também esteve muito presente em todo o nosso processo de fertilização — foram muitas velas, orações, banhos de cachoeira e muita fé. No fundo, eu sabia que ela não iria deixar de segurar a minha mão no momento mais importante da minha vida e, junto da medicina, nos presenteou com uma gestação maravilhosa e uma filha perfeita.
Lembro que, quando o Vô José leu a minha coroa, a primeira coisa que ele disse foi:
— Você chora muito, né, menina?
Carrego Oxum na coroa. Não tenho vergonha de amar e me emocionar profundamente. Chorar faz parte do meu dia a dia: choro de felicidade, alegria, tristeza, e choro também quando escuto histórias que me tocam.
Eu acredito muito que chorar limpa o corpo, a alma e a mente. Acredito que a solução de muitos problemas nesse mundo… seria resolvida se as pessoas simplesmente se permitissem se emocionar e amar.

4. Como foi escrever o prefácio do livro Doutor Preto Velho, do Pai Paulo?

Uma experiência inesquecível e emocionante.
Confesso que coloquei uma pressão absurda em cima de mim, mas decidi me enganar por um período curto e não pensar no prefácio.
A cada trecho ou capítulo que o Pai Paulo enviava, mergulhava profundamente naquela leitura, chorava, me emocionava, relia o capítulo — e perdi a conta de quantas vezes li e reli aquele livro.
Até que um dia ele me disse:
— O livro está sendo revisado e falta apenas o prefácio.
Quase chorei de desespero. Travei. E agora?
O que eu escrevo no início de um livro tão potente como esse?
Escrevi milhares de vezes e eu não gostava de nada.
Uma luz? Alguém? Silêncio…
Até que um dia, após uma Gira de Preto Velho, de longe eu admirava o Vô José, lembrando de suas histórias, e comecei a sorrir. Voltei para casa ainda com aquela energia e escrevi com o coração.
escrevi o que o TSA reverbera em mim, o tanto que o Vô José me ensinou naquele livro, e assim deixei a fé guiar as minhas palavras.

5. O que você sente que mais aprendeu com os Pretos Velhos ao longo da sua trajetória?
Nossa, muitas e muitas coisas MESMO.
Eu aprendi o poder do benzimento, a potência de cantar e rezar um ponto cantado, a força que um Pai Nosso e uma Ave Maria têm no momento de desespero, e que não podemos deixar cair no esquecimento a importância das ervas para a cura do corpo e da alma.
Aprendi (e aprendo todos os dias) a respirar, diminuir o passo, desacelerar a mente (desafiador) e olhar ao redor com calma.
Tudo tem seu tempo — e não necessariamente esse tempo é o que mais desejamos. O processo de se ouvir é de uma potência absurda, e não estou falando só de ouvir os guias, mas de ouvir o que o nosso corpo e a nossa mente estão tentando nos dizer.
Agora, eu faria um café, sentaria com você e poderíamos passar o dia todo falando das minhas experiências com essa linha que me emociona tanto — e passaria o dia também te ouvindo.
O Benedito costuma dizer:
— Anda devagar, fia. Quando você anda devagar, fica mais fácil enxergar as pedras do caminho.

6. Como tem sido equilibrar a maternidade com a vida espiritual dentro da casa?
Olha, é um equilíbrio bem difícil e muito cansativo, não nego.
A maternidade é o maior desafio de toda a minha vida — e também a melhor parte de toda a minha existência. Então, a vida espiritual se tornou mais um dos milhares de pratinhos que preciso (tento) equilibrar diariamente.
Óbvio que nada disso aconteceria sem o apoio da minha esposa, que se desdobra ainda mais nos dias em que vou ao terreiro.
Normalmente, fico com a sensação de que estou em débito o tempo todo, mas levo muito ao pé da letra um ensinamento do Vô José: que a família está em primeiro lugar. Então, sempre priorizo a minha filha, a minha esposa, e assim a minha mente fica um pouco mais tranquila.
E também tenho a minha própria cobrança pessoal em querer participar de tudo que o TSA proporciona, mas já entendi que é inviável estar em todos os eventos, todas as giras e aulas de desenvolvimento. Então, toda vez que vou ao terreiro, dou o meu melhor. Afinal, deixei tudo que mais amo em casa para exercer a minha espiritualidade, que também é muito importante para mim.
Aprendi que, quando estou presente em casa, preciso estar 100% lá — e, quando estou no terreiro, é para que eu consiga doar 100% do meu tempo, da minha espiritualidade e também da minha fé.

7. Qual é a maior saudade que você tem do seu período de desenvolvimento mediúnico?

Li essa pergunta e até sorri, sabia?
Sinto saudades de ser cambone. Foi um período tão novo… Muitas inseguranças, medo de escrever o banho errado, escrever a cor da vela que não era, tantas descobertas, aprendizado, ouvir os guias, estar 100% atenta ao consulente, ao guia e também ao redor.
Foi o período que mais aprendi. Era como se um silêncio me tomasse por dentro, e a voz do guia que eu cambonava ressoasse dentro de mim de tal maneira que sempre mexia comigo.
Era como se eu também fosse consulente — eles também estavam falando comigo. E como é que pode isso? Coisas que só a espiritualidade é capaz de explicar.
Carrego esse momento da minha trajetória com muito amor, carinho e respeito.
E acredito também que o desenvolvimento mediúnico é para sempre. Passei de fase, mas os desafios e o aprendizado permanecem por aqui — inseguranças também, rs.

8. Quais foram os maiores desafios que enfrentou como mulher e médium dentro da religião?

Posso me considerar uma mulher muito privilegiada. Afinal, não me recordo de nada que eu tenha passado de tão desafiador na religião por eu ser mulher.
A casa que eu mais frequentei na vida foi o TSA, e, desde que entrei, nunca passei por nenhuma situação que me colocasse em um lugar desagradável ou desafiador por eu ser mulher.
Diferente do mundo lá fora, né? Mas isso é papo pra outra hora, rs.

9. Você tem alguma memória marcante ou gira inesquecível que gostaria de compartilhar?

Eu separo em dois momentos: quando eu ainda era cambone e quando viro médium de atendimento.
Era uma Gira de Esquerda, eu estava cambonando e, no início da gira, o Exu me deu um alerta. Começou a gira, até que um consulente se aproximou e começou a falar. Entendi que o alerta era para aquele momento.
Estava quase no finalzinho da gira, e as palavras daquele consulente foram me perfurando. Me afastei um pouco, mas ainda escutava aquela história que, de alguma maneira, se encontrava com algo que eu tinha vivido na infância.
Lembro de ter respirado, me concentrado, pedi ajuda para o meu Exu, permaneci firme e forte, me permiti desabar apenas no final, quando o Exu daquele médium me chamou para me limpar. Ele sabia que aquela história afetava 100% a Ashleigh criança, que tinha vivido algo muito parecido na infância — mas, diferente do consulente, que estava fazendo outra pessoa sofrer, no caso eu era a vítima, que me reconhecia naquela história.
Naquele dia, aprendi que eu não poderia mergulhar 100% nas palavras do consulente, e que levar aquilo para o lado pessoal só iria me prejudicar. A vida é inteiramente feita de escolhas, seja para o caminho do bem ou não.

E já como médium de atendimento, em toda gira algum detalhe me marca, mas o que mais me chama atenção é quando um consulente chega chorando e sai sorrindo.
É gratificante demais poder colaborar de alguma forma com uma pessoa que busca por uma luz e encontra com o auxílio dos guias.
Confesso também que é marcante, especial e MUITO emocionante atender alguém na gira, e, semanas depois, encontrar aquele consulente nas aulas de desenvolvimento. E, depois de alguns meses, acompanhar aquela caminhada espiritual (mesmo que distante e sendo muito discreta).
É tão fabuloso ver isso, sabia? Olho para algumas pessoas na corrente, fico tão feliz por aquela pessoa ter escolhido esse caminho, se sentir feliz, com um brilho no olhar, e por ter encontrado a própria luz.
Definitivamente, isso é muito lindo de se observar.
E, assim como eu… essas pessoas também só precisavam de um empurrãozinho.

10. Que mensagem você deixaria para quem está começando agora no caminho espiritual?

Acima de tudo, confiar na sua caminhada espiritual.
Não se preocupe apenas em saber os Orixás de cabeça, o nome de todos os guias, se vai incorporar hoje ou daqui a 6/12 meses. Aproveitar todo o processo de aprendizado que está ali na sua frente — com calma, paciência e sem pressa.
Dar tempo ao tempo, não se comparar com o coleguinha do lado, e lembrar que existe o ideal, mas também o possível — a ser feito com as ferramentas que possui naquele momento.
Às vezes perdemos tanto tempo querendo ir até o ponto de força de um Orixá para entregar uma mega oferenda, e não conseguimos ir por causa da vida corrida — e a vela está ali do seu lado, para ser firmada com muita fé.