
Entrevista Mãe Fátima Saraceni
As alunas de desenvolvimento e membros do Jornal do TSA, Ana Ceribelli e Juliana Kleine, tiveram a honra de entrevistar Mãe Fátima Saraceni, uma das grandes referências da Umbanda Sagrada. Com uma trajetória marcada por dedicação, superação e amor à espiritualidade, Mãe Fátima é responsável pelo Instituto de Umbanda Sagrada Saraceni, onde desenvolve um trabalho voltado à formação de médiuns e ao fortalecimento da religião, e também atendimento ao público de forma caritativa.
Além de sua atuação no sacerdócio, sua história está profundamente ligada ao legado de Pai Rubens Saraceni, seu irmão e um dos maiores estudiosos e escritores de Umbanda Sagrada. Nesta entrevista, ela compartilha suas vivências, desafios e aprendizados ao longo de sua jornada espiritual, destacando a importância da fé e do compromisso na prática religiosa.

1 – Como foi o seu primeiro contato com a Umbanda e o que despertou em você o desejo de seguir esse caminho espiritual?
Quando conheci a Umbanda de verdade, já tinha tido experiências de terreiro com meu marido e meu irmão, mas não sentia vontade de seguir esse caminho. Meu marido frequentava o terreiro do Pai Rubens, mas eu não ia. Depois, o Rubens se mudou para Uberlândia e fechou o terreiro. Meu marido procurou outro terreiro e passamos a frequentar o do Pai Pedro, em Guarulhos. Fui algumas vezes, mas chorava compulsivamente, a ponto de a sessão precisar parar para o Pai Pedro me atender.
Ele dizia que eu precisava me desenvolver, mas eu não dei ouvidos. Meu marido ouviu, mas nunca me contou. O tempo passou, o Rubens voltou para São Paulo e abriu o Colégio Pai Benedito. Ele me chamou para abrir uma lanchonete lá dentro. Foi ali que realmente conheci a Umbanda. Ao ver o Rubens falar sobre a religião e a espiritualidade, sentia despertar em mim um amor pela Umbanda. Ainda assim, resisti por alguns meses. Rubens insistia: “Veste branco, vem para a gira”. Eu recusava, dizia que não tinha “essas coisas”.
Comprei a roupa branca e a deixei guardada na lanchonete por três meses, até que um dia, sem mais resistir, resolvi entrar. Vesti o branco rápido, pois a gira já tinha começado. Pedi permissão para Mãe Alzira e entrei na corrente. Naquele dia, girei sem parar, bati nos atabaques, caí para um lado e para o outro. Depois, a mediunidade foi entrando em equilíbrio.
Entrei na Umbanda por amor. Ao ver as giras, ouvir os atabaques, percebi que aquele era meu caminho. Até então, não tinha religião. Fui batizada na Igreja Católica porque minha mãe era católica. Depois, a acompanhava nos cultos evangélicos, mas nunca me conectei a nenhuma fé. A Umbanda me chamou e atendi ao chamado. Isso já com 39, 40 anos. Hoje estou prestes a completar 64. Minha caminhada foi meteórica: entrei em 2000, em 2007 já era Mãe Pequena da casa, assumindo muitas responsabilidades. Em 2003, comecei no sacerdócio enquanto ainda me desenvolvia como cambone. Tudo aconteceu muito rápido, e a cada passo me sentia mais completa. Entrei na Umbanda por puro amor.
2 – Qual foi o momento mais marcante para você no início da sua trajetória como médium umbandista?
O primeiro dia de desenvolvimento foi o mais marcante. Rubens já não dava mais aulas de teologia, apenas conduzia o desenvolvimento e as giras. Quando entrei, girei, caí em cima dos atabaques, levantei e continuei. Foi o dia mais feliz da minha vida. Saí plena, encantada com a energia que senti.
No dia seguinte, durante um curso de magia, uma moça clarividente chegou na lanchonete onde eu estava atendendo e disse: “Você está tão feliz. Sabe o que você incorporou? Um espírito trevoso”. Fiquei arrasada. Como poderia ser? Eu tinha sentido algo tão bom! Corri para falar com Rubens. Ele riu e disse: “Você está chorando por isso? Pare! O que ela viu foi seu Exu, mas como não sabia o que era, interpretou errado”. Aquilo me tranquilizou. Foi um momento duplamente marcante: primeiro, a felicidade de sentir minha mediunidade se manifestando; depois, o aprendizado de confiar no que eu sentia e não no que os outros diziam.
3 – O que a Umbanda representa na sua vida pessoal e como ela transformou quem você é hoje?
A Umbanda é tudo para mim. Hoje vivo para o terreiro, cuido da energia, da estrutura e da corrente mediúnica. Meu foco é manter o terreiro como um ponto de luz, preservando sua essência. Antes, dividia minha atenção com minha família, mas com o tempo passei a me dedicar integralmente ao sacerdócio.
No passado, minha vida girava em torno da carreira no mercado financeiro. Sonhava em estudar fora, crescer profissionalmente. Depois que entrei na Umbanda, esses objetivos perderam o sentido. Meu foco passou a ser o aprendizado espiritual. Meu eu essencial permaneceu o mesmo, mas aprendi a controlar meu lado instintivo, a me colocar no lugar do outro e a melhorar constantemente. A Umbanda me ensinou a confiar na espiritualidade e a buscar ser melhor a cada dia.

4 – Quais foram os maiores desafios na criação do Instituto de Umbanda Sagrada Saraceni e como foram superados?
O primeiro desafio foi financeiro. Eu não tinha dinheiro para montar o terreiro. Meu marido me acalmou: “Se a espiritualidade quer, ela vai dar condição”.
A segunda dificuldade foi encontrar um imóvel. Muitos donos recusavam alugar para fins religiosos. Quando finalmente encontramos um lugar, enfrentamos barreiras burocráticas impostas pela advogada da imobiliária, claramente por preconceito religioso. Persisti, me mantive firme e, por um acaso divino, meu marido encontrou o dono do imóvel no cartório. Ao saber da situação, ele interveio, e no dia seguinte eu tinha as chaves.
O terreiro cresceu. Expandimos o espaço, enfrentamos desafios como a pandemia, que coincidiu com uma grande reforma, e a perda do meu marido. Mas a espiritualidade sempre nos sustentou, colocando as pessoas certas no caminho. A cada obstáculo superado, minha fé se fortaleceu.
5 – O que você considera como o maior legado do Pai Rubens para a Umbanda Sagrada?
O maior legado, se eu fosse falar por nós, aqueles que frequentavam lá, eu acho que era falar sobre a simplicidade dele, o caráter dele, mas eu tenho que falar, vocês querem uma resposta num sentido mais amplo, né? Eu acho que foram os ensinamentos, os livros que ele deixou, eu acho que esse é o maior legado dele, é umbandista poder entender o que pratica, que até então, até os escritos que ele trouxe através de Pai Benedito e de outros mestres e outros guias, as pessoas tinham uma noção do que faziam, mas não sabiam de fato, e hoje a gente consegue entender bem o plano espiritual e entender o que os guias fazem e o que a gente está fazendo e o que é a nossa mediunidade, e eu acho que tudo isso partiu dele, então eu acho que o maior legado é o conhecimento que ele trouxe, mas se eu for falar num âmbito menor, dos seus alunos, porque ele amava os alunos, ele amava dar aula, pensa numa pessoa que gostava de dar aula, ele podia chegar com o maior problema do mundo, e às vezes ele chegava nervoso e a gente via que ele não estava bem, estava nervoso, ele ia para a sala dele, aí ele fazia as coisas dele, quando ele entrava para dar aula, era outra pessoa, a alegria que ele dava aula, ele fazia brincadeira, ele tinha alegria de estar ali, de passar o conhecimento. Então, para nós que fomos alunos dele, eu como irmã e depois como aluna e filha da casa, eu acho que o legado que ele deixou foi esse caráter, essa alegria, essa vontade que ele tinha de enxergar, ensinar, então para mim, especificamente agora falando para mim, não como aluna, mas como pessoa, como irmã, carnal, o que eu vi nele foi muita humildade, muita humildade, e resiliência e força, porque ele passou por coisas muito vexatórias, desses ataques, a gente estava falando antes da entrevista, dos ataques que ele está recebendo hoje. E não pode se defender, mas ele, desde as publicações dos livros e tudo mais, ele recebeu muitos ataques, e ele perseverou, é aquela coisa, ele acreditou, ele teve fé de que eles estavam com ele, e pelas histórias que a mãe Alzira contava, de tudo que ele passou, então, para mim, essa força, essa resiliência, essa vontade e essa fé que ele tinha. Acho que ficou como um legado para mim que era muito próxima ali como irmã. Não que eu fosse ligada 24 horas a ele, mas era ali a ligação carnal mesmo. E depois a ligação espiritual com o meu pai espiritual, me dando lições. E eu acho que para todos. O legado dele é esse, é o conhecimento que ele trouxe, e isso ninguém pode tirar, né? Como um mérito dele, porque foi através da mediunidade dele que os mestres puderam trazer. Então, esse é o legado dele, é o conhecimento.
Uma coisa muito interessante sobre ele é que queria ser padre. Sempre foi muito ligado à religião, fazia muitas orações com a minha mãe e já tinha essa tendência desde muito novo. Não era um rapaz como os outros da época. Começou a namorar cedo com a mãe Alzira, casaram muito jovens, e ele sempre teve essa inclinação religiosa. Trabalhava em casa e tinha esse perfil mais reservado. Então, quando foi para a Umbanda, acho que só confirmou aquilo que já existia dentro dele: um jovem mais contido e voltado para a religião.
Apesar desse jeito mais quieto – eu tenho cinco irmãos homens, ele era um deles – mas completamente diferente dos outros. Minha mãe sempre dizia: “Tenho seis filhos e nenhum é igual ao outro, como os dedos da mão.” E eu sou a única mulher. Todos eram diferentes, mas ele se destacava ainda mais. Olhando para trás, percebemos que ele sempre teve algo especial, algo que acabou se confirmando com o tempo, quando ele se tornou quem deveria ser, cumprindo sua missão.
5.1 E a sua mãe aceitou bem a vocação dele?
Sim, minha mãe era muito tranquila. Apesar de ser crente e termos tios pastores e missionários, ela sempre foi compreensiva. E, mesmo antes do fim da vida, quando não estava bem, pedia para o Rubens benzê-la. Ela dizia: “Vai para o centro e pede para o Rubens falar com o preto velho, porque hoje não estou me sentindo bem.” Eu não fazia, mas pedia por ela, porque o pedido era especificamente para ele. E ele fazia.
Quando o Rubens ia em casa, ela tomava passe com o preto velho dele. Minha mãe era um ser de muita luz, excepcional.
5.2 Ela faleceu depois do Rubens?
Sim, depois. Foi uma história triste. Até ali, minha mãe tinha a memória perfeita. Quando o Rubens morreu, ela chorou um mês inteiro, repetindo que deveria ter sido ela, não ele. Ele foi o primeiro dos filhos a falecer, e ela se martirizava por isso.
Então, um dia, ela simplesmente acordou sem memória. Já era cega desde os 60 anos e, de repente, além da cegueira, perdeu totalmente a memória recente. Fizemos exames, e a médica descartou Alzheimer, diagnosticando senilidade. Mostrou no exame a área apagada da mente dela e explicou: “Essa parte não volta. Ela vai lembrar de coisas antigas, mas o recente se foi.”
Acredito que isso foi uma proteção. O próprio corpo desligou a dor daquele sofrimento. Ela viveu até 2022, bem cuidada por nós, mesmo sem reconhecer quem eu era.
Ela não sofreu pela perda dos outros dois filhos que faleceram depois. Um morreu na pandemia e o outro por questões de saúde. Como ela já tinha sofrido demais com o Rubens, eu decidi não contar sobre os outros dois. Ela viveu tranquila, e quando partiu, foi como um passarinho que simplesmente parou de respirar.
Estávamos ali com ela, conversando, e, de repente, ela se foi. Não teve um último suspiro forte, apenas parou. Foi uma passagem muito pacífica. Acredito que o sofrimento dela foi tão grande que o próprio organismo se desligou para poupá-la. E foi bom. Bom para ela.
Acho que o Rubens cumpriu seu propósito. Não queria morrer, ninguém quer, mas tínhamos a impressão de que estava se curando, mesmo com a gravidade do câncer de pulmão. O tratamento parecia ir bem, e sua passagem foi tranquila.
Claro, o câncer dificultava muito sua respiração, mas, com os paliativos médicos, não houve angústia na hora da morte. Passei os últimos quatro dias com ele no hospital, de sexta a segunda. Ele faleceu na segunda de manhã. Eu e minha cunhada Márcia estávamos lá direto, só íamos para casa trocar de roupa e voltávamos.
Naquela manhã, falei: “Vou em casa, tomar um banho e já volto.” Ficou outra cunhada com ele. Assim que saímos do hospital e chegamos em casa, recebemos a ligação: “Ele acabou de falecer.”
Digo que ele foi generoso. Ficamos tanto tempo ali com ele, e quando saímos, ele partiu. Como se nos desse esse momento de descanso.
No velório, muitas pessoas puderam sentir sua presença. Ele estava lá, do lado do caixão, observando tudo. Muitos alunos, muitas pessoas viram. Estava em paz.

6 – A Umbanda veio para a família de vocês através dele (Rubens) ou já havia histórico familiar?
Veio através dele. Na verdade, veio através da esposa dele, Mãe Alzira, que foi a primeira a ir para a Umbanda. Ele foi depois. Olha só. Ela começou, a Mãe Alzira tinha uma tia por parte da mãe dela, que já era umbandista e que levou ela para o terreiro. E depois disso, o Pai Rubens foi a um centro de Mesa Branca, de um tio da minha cunhada, de uma outra cunhada, que era o Tio Chico, ele tinha o terreiro de Mesa Branca. E o Rubens foi até lá. E chegando lá, abriu todo o trabalho e o Rubens incorporou um Exu. Então, o Tio Chico – a gente chamava de Tio porque todo mundo da família conhecia ele – aí o Tio Chico falou que a missão dele não era na Mesa Branca, que ele tinha que ir para a Umbanda e tinha que se desenvolver. Então, ele já perdeu o lugar dele na Mesa Branca logo no primeiro dia, né? Aí ele foi para a Umbanda. Mas, nesse terreiro tinha uma vovozinha que era mãe da minha cunhada, que incorporava uma avó. E ela disse para o Rubens, ali naquela época, que ele teria uma missão muito grande. E que ele ia transformar a Umbanda, que ele ia ser muito conhecido e que a missão dele era muito grande. Então, ele acabou entrando para a Umbanda.
Primeiro, meu lugar não é na Mesa Branca e eu tenho uma missão. Que missão é essa, né? E aí ele foi para esse terreiro, que era bem tradicional. E lá ele se desenvolveu, passou acho que por um outro terreiro. Depois ele foi para o Pai Ronaldo para fazer o sacerdócio. E aí sim, ele teve o terreiro dele, que era no fundo da casa dele. E aí começou toda a história dele.
7 – Como sua trajetória profissional influenciou a forma como você lidera e guia o Instituto?
Sou formada em administração de empresas e fiz pós-graduação em marketing. Nunca exerci a profissão de marketing porque sempre estive mais voltada para a área financeira. Na pós-graduação, pensei em dar aula, mas, após uma experiência, percebi que tinha muita vergonha e descartei essa possibilidade. Segui, então, no mercado financeiro.
Acredito que essa formação em administração e minha experiência no mercado financeiro me ajudam muito a gerir o Instituto quase como uma empresa. Tudo é calculado, planejado e feito com precisão.
Agora, criatividade e marketing não são o meu forte. Mal sei escrever, então deixo essa parte para quem entende. Nunca tive essa veia de promover, criar ou inovar nessa área, mas, em compensação, sou extremamente organizada. Trago essa estrutura da administração e do financeiro para o Instituto e acho que faço um bom trabalho nisso.
8 – Qual é o papel das mulheres na Umbanda e na gestão do Instituto, segundo sua visão?
É fundamental. Basta observar os terreiros: a maioria é composta por mulheres. A mulher tem uma abertura maior para se doar, enquanto o homem resiste mais ao chamado, mesmo quando sabe que tem uma missão. Se não fossem as mulheres, os terreiros seriam minguados.
Nos terreiros, a presença feminina é muito maior. Nas atividades, nas funções administrativas, quem está mais presente são as mulheres. Muitos homens alegam que trabalham mais e, por isso, não podem se dedicar, mas hoje em dia as mulheres trabalham tanto quanto, com a mesma carga horária e responsabilidades. Ainda assim, elas conseguem se comprometer com o terreiro e estar lá no horário combinado.
Depois que os homens aceitam a missão, eles se dedicam, mas as mulheres têm um comprometimento natural maior. No Instituto, isso também é visível: a maioria das pessoas envolvidas são mulheres. Elas fazem, se dedicam de corpo e alma e não arrumam desculpas. Claro, há exceções, mas, no geral, a mulher tem um papel crucial, justamente por essa entrega e comprometimento. É um verdadeiro sacerdócio.

9 – Como você enxerga o diálogo entre a Umbanda e outras religiões no Brasil?
A Umbanda sempre esteve aberta ao diálogo, mas o mesmo não acontece com as outras religiões. Houve avanços, e hoje alguns líderes promovem encontros inter-religiosos, mas, no geral, o diálogo ainda é muito difícil.
Parece que, quando há um evento público, algumas religiões participam apenas para demonstrar tolerância naquele momento, sem um compromisso real. Em alguns casos, é o líder religioso, e não a instituição, que aceita a Umbanda e promove essa interação.
Por outro lado, há casos interessantes, como no terreiro do Pai Rubens, onde já vi padres participando de cursos de magia e conversando com ele. Um exemplo inspirador é o da Mãe Almerinda Costa, na Bahia. Ela tem um terreiro onde criou a biblioteca Rubens Saraceni, reunindo suas obras para os filhos lerem. O companheiro dela, Dom Jorge Costa é da Fraternidade Sacerdotal Missionários da Caridade, e eles vivem harmoniosamente bem, cada um com sua crença. Isso mostra que, quando há amor e tolerância, diferentes tradições religiosas podem coexistir em harmonia.
O diálogo entre a Umbanda e outras religiões poderia ser melhor, mas o maior obstáculo ainda é a intolerância vinda delas.
10 – Qual o melhor conselho que você deixa para quem está se desenvolvendo na Umbanda Sagrada?
Acho que o principal conselho é entender que o compromisso do médium, antes de qualquer coisa, é com sua espiritualidade. O que vejo hoje são muitos jovens afoitos para se desenvolver, querendo saber tudo rapidamente, mas esquecendo que sua ligação maior não é com o terreiro, e sim com a espiritualidade que os trouxe até lá. Quando se pede que estudem primeiro, antes de partir para a mediunidade e incorporação, muitos desistem. Acham que está demorando demais e acabam pulando de terreiro em terreiro até encontrarem algo que atenda à sua impaciência.
É essencial compreender que o aprendizado vem antes da prática. O desenvolvimento tem etapas, e ninguém pode queimar essas fases. O mais jovem começa do início, aprendendo, depois praticando, desenvolvendo sua mediunidade de incorporação, que é a base da Umbanda. Sem médium de incorporação, não há Umbanda, pois é através deles que os guias se manifestam. Antes de chegar ao trabalho espiritual, é preciso passar por todo o processo, cambonando os guias, aprendendo com eles, até que esteja pronto para ser autorizado a incorporar e trabalhar espiritualmente.
Além disso, o desenvolvimento mediúnico nunca acaba. Tenho 24 anos de Umbanda e sigo aprendendo, assim como irmãos que têm 30 ou 40 anos. A cada dia, a gente aprende com a Umbanda, com os guias e com os orixás. É um processo contínuo. Subimos de patamar, mas seguimos aprendendo. Diante da espiritualidade, somos apenas um grão de areia. Não sabemos nada e estamos sempre evoluindo.
Outro ponto fundamental é o compromisso com a própria espiritualidade. Já vi muitos médiuns se desenvolverem, aprenderem, e quando chega o momento de ir para a corrente e deixar o guia trabalhar, começam a dar desculpas: “Hoje não vou porque estou com dor de cabeça”, “Hoje não posso porque estou cansado”. Mas a espiritualidade dedicou tempo e esforço para prepará-los para esse momento, e, na hora da caridade, eles não comparecem.
Essa consciência deveria ser de todos os médiuns, não apenas dos mais novos. No sacerdócio, sei exatamente quantas vezes faltei no terreiro, e posso contar nos dedos. Já fui sem nenhuma condição física, mas fui. Atendi mesmo com dor de dente, de cabeça, com problemas na coluna, no joelho. Toquei gira logo após a morte do meu marido, da minha mãe e do meu irmão, ainda no final da pandemia, um período muito triste.
Nossa dor fica guardada. Temos um trabalho a fazer. O guia quer incorporar e precisa de nós para praticar a caridade. Então, me coloco à disposição. A gira acontece, o guia trabalha. Depois, a dor volta, o sofrimento retorna, mas essa é uma questão minha com a espiritualidade. Eles me sustentam, me colocam de pé de novo.
Esse é o entendimento que falta a muitos médiuns. Eles fazem tudo conforme sua própria vontade, sem considerar a necessidade da espiritualidade. Esse conselho vale não só para os iniciantes, mas para todos os médiuns. O compromisso não é com o conforto pessoal, e sim com a missão espiritual.
11 – Quais são os planos futuros do Instituto?
Para este ano, não tenho grandes planos de expansão. Meu foco é consolidar os atendimentos que já realizamos desde o início. O terreiro cresceu bastante e está em um tamanho que conseguimos administrar bem. Não vejo necessidade de agregar mais médiuns, pois considero que está equilibrado.
Um dos meus desejos é acrescentar um segundo dia de gira. Atualmente, temos uma vez por mês o atendimento dos animais, que começou exclusivamente para eles, mas foi se ampliando. Primeiro, passamos a atender também as crianças que acompanhavam os pais. Depois, percebemos que muitos idosos não conseguiam vir porque dependiam dos filhos, que vinham direto do trabalho e não conseguiam buscá-los. Então, abrimos o atendimento para eles também.
Hoje, o que começou apenas para os pets já engloba crianças, crianças com deficiência, idosos e, em alguns casos, até os próprios tutores, caso o guia veja necessidade. A ideia é consolidar esse trabalho e, se tudo caminhar bem, abrir um dia fixo na semana ou no fim de semana para que essas pessoas possam ser atendidas regularmente, não apenas uma vez por mês.
Claro, para isso, precisaremos estruturar melhor a corrente mediúnica. Já damos autonomia para os pais e mães pequenas da casa, mas esse processo precisará ser ampliado. Esse atendimento específico já é conduzido por duas mães pequenas, que se revezam. No trabalho de Reiki, temos uma mestra responsável, e na magia de Exu, há uma dirigente experiente que conduz o grupo. Já há liberdade para que esses trabalhos ocorram de forma independente, mas, se formos implementar uma gira fixa semanal, será preciso estruturar isso ainda mais e dar mais autonomia.
Eu não consigo comandar tudo sozinha. Já temos o trabalho às terças, às quintas e, se somarmos um no domingo, preciso considerar minhas viagens para os cursos que ministro, que também fazem parte da minha missão. Então, antes de qualquer coisa, é necessário organizar melhor essa estrutura. Se não acontecer este ano, pode ser no próximo, mas a prioridade é consolidar o que já existe e expandir com segurança.
Outro ponto é o crescimento do atendimento de Reiki, que antes era pouco procurado, mas agora as pessoas estão entendendo melhor e buscando mais. A magia sempre teve bastante adesão, então a ideia é fortalecer ainda mais esses grupos.
Se lá na frente tivermos estrutura para agregar mais atividades, eu adoraria oferecer cursos profissionalizantes gratuitos, além dos cursos de Umbanda e magia. O objetivo seria preparar pessoas em situação de vulnerabilidade para o mercado de trabalho. Mas isso exige planejamento, e ainda estamos no início dessa ideia.
Aqui na região, há muita carência, não só dos moradores diretos, mas também das comunidades próximas, onde há favelas e pessoas em situação de rua. Estamos estruturando um projeto de apoio para essas pessoas também. Temos muito trabalho pela frente.

Fotos: Ricardo D’Angelo
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