A alegria e leveza de Oroiná

A alegria e leveza de Oroiná

Por Tamis Lima

Hoje, cheguei na gira em tempo de observar. Me sento em um canto, garanto o melhor lugar e simplesmente observo e sinto a conexão.

Hoje, me senti muito grata por estar ali, me senti feliz vendo os outros, os cochichos, a corrida até o banheiro pro xixi antes da abertura dos trabalhos, as pessoas batendo cabeça. Sinto magia e conexão nesse movimento.  

Então perfilamos, nos centramos e começa a parte que sem dúvidas é a minha preferida: os cantos de abertura. Nossa turma é grande, são 80 pessoas ou mais. Como é deliciosa essa experiência, todas as vozes e corações conectados e, de repente, você não escuta mais a sua própria voz. O cantar não é mecânico, é Divino. A sensação é como se dançasse a música mais perfeita do mundo nos braços do melhor dançarino, aquele que antecede os seus passos. Então, somos um só.

Hoje, especialmente durante o hino da Umbanda, senti o atabaque tocando dentro do meu peito. Uau! Que aconchego, quase como voltar pro útero da mãe, ouvir eternamente as batidas de seu coração e o meu coração pequenino tentando acompanhar o compasso.

Uma apresentação sobre a incorporação de Xangô e o Trono da Justiça, e então chegou a hora da incorporação. Opa! Agora é a hora dos ciganos e essa eu já conheço e domino. Tranquilinho. Mas algo hoje está diferente, não sei quem eu sou nem quem se apresenta; meu peito arde e pesa uma tonelada. Antes de mais nada, escuto em minha cabeça “Dê um jeito nessa saia!”.

“Manda quem pode, obedece quem tem juízo!” Amarro minha saia meio trêmula, me concentro, respiro e, instantaneamente, sou preenchida por aquele estranho que, na verdade, me é familiar. Meu peito doi tanto, mas a dor é boa. Ela me sufoca, mas me preenche de coisas que eu nem sabia que me faltavam. Então eu penso: é assim, é assim que é se sentir INTEIRA.

Ele se prepara para ir embora, mas insisto para me dizer seu nome. Quase não falamos. Ainda é desconfortável. Não tenho intimidade com ele; é como fazer “sala” para um estranho. Insisto mais uma; escuto seu nome e fico confusa. Não é um nome que eu conheça, e então o pergunto: “É Iago?!” Uma voz forte e carinhosa ressoa em minha mente: “Não, sua tonta, meu nome é Baco!”. E então estou sozinha novamente.

Quando ele vai embora, uma respiração corta meu peito apertado; minha cabeça rodando, repetindo meu mantra diário “respira, somente respira” e, assim, mais uma entidade se apresenta para mim. Optchá, cigano Baco!

Primeira incorporação de Oroiná

Hoje, tem aula de desenvolvimento. Estamos estudando a Orixá Oroiná (Orixá feminino do Trono da Justiça), que sustenta a linha dos ciganos. Semana passada, teve amaci. Não me conectei muito com os seus mistérios e foi frustrante, enfim… precisamos de paciência, fé de que acontecerá sempre da melhor forma.

Chega a hora da incorporação. Hoje, consigo me conectar com ela, o suficiente para que a incorporação aconteça. Ela vem primeiro fria, leve e negra como a noite com suas chamas absorvedoras. Em seguida, sou tomada pelas suas chamas laranja, que queimam, aquelas que irradiam e transformam. Um rodopio intenso, que eu nunca, com nenhuma outra incorporação, senti. Girei e rodopiei intensamente, quase senti meus pés saírem do chão. Quando ela se vai, a incorporação dura pouco, sinto que ainda estou dentro de um liquidificador. Fico tonta, quase caio e a minha visão fica turva. Só me concentro em não desmaiar.

A minha incorporação acaba antes do grupo. Estou cansada. Meu corpo sente o peso e ao mesmo tempo se sente leve. Incorporar Orixá ainda é muito puxado para mim. Definitivamente, a incorporação de Oroiná foi a mais intensa até hoje. Não sei qual é a minha ligação com ela, nem com seu trono. Não sei dizer quais foram as minhas negatividades, nem aquilo que precisou ser preenchido pelo trono da justiça. Só consegui entender que foi necessário. Necessário queimar tudo aquilo que não me pertence mais, necessário deixar ir embora aquilo que não é mais meu. Obrigada minha mãe. Kali Yê, Oroiná!

Na aula da semana seguinte, a caminho do desenvolvimento, sinto uma tristeza, um cansaço. Meu coração pesa; uma tristeza incomum fez sua morada. Foi difícil me concentrar, pois minha cabeça estava longe. Houve um pouco a teoria sobre Oroiná e penso: “Preciso da Alegria e a leveza dela.”

Na hora da incorporação, sinto ela intensamente, dentro de um vórtice de fogo que me consome, se expande e retrai. Gira mais rápido e mais lento. Meu corpo parece não suportar; vem a tontura e com ela o medo de tombar. E, de repente, um pensamento intruso ocorre: “Estou fingindo?!” E, no silêncio caloroso, encontro a minha resposta: “Eu sou a cura.” Uma voz silenciosa, que fala comigo em forma de aconchego, mas não é doce, é intenso, leve e surpreendente. É ácida, mas a experiência é gostosa.

Quando ela se vai, apesar do cansaço, esgotamento, me sinto melhor. Inegavelmente hoje ela foi a minha cura!

Psicanalista, Especialista em Neurociências e Psicologia Positiva. Estudante de Arquétipos de Matrizes Africanos desde 2015 e Umbandista apaixonada pela religião desde 2022. Aluna do desenvolvimento mediúnico de quarta-feira.