Os anciãos da espiritualidade

Os anciãos da espiritualidade

Nesta edição dedicada aos Pretos Velhos, falaremos sobre os Orixás que regem essa linha que nos ensina e nos acolhe com tanto amor e sabedoria. 

É comum que os guias de Umbanda sejam regidos por mais de um Orixá, e, portanto, com os Pretos Velhos não seria diferente. Os Orixás regentes da linha de Pretos Velhos na Umbanda Sagrada são aqueles considerados anciãos, qualificados assim devido a maneira como suas energias atuam sobre nosso plano da existência.
Diversas lendas canalizadas por Rubens Saraceni (ver: “Lendas da Criação: A Saga dos Orixás” – Ed. Madras) discorrem sobre tais Orixás Anciãos, traduzindo o mistério divino da ancestralidade em imagens e cenas simbólicas conforme veremos mais adiante.

Assim, são os Orixás Anciãos regentes dos Pretos Velhos:

  • Oxalá
  • Obaluaê / Omolú
  • Nanã Buruquê

Oxalá

Oxalá é o segundo Orixá criado por Olorum – lembram-se da edição anterior? Exu foi o primeiro que Olorum criou para acomodar todo o restante da criação. Oxalá é a divindade que carrega o poder vivo e divino de criação de Pai Olorum (como consta na lenda “A Geração de Oxalá” – Lendas da Criação, op.cit., p. 47). Oxalá é o Senhor do Espaço, porque sua primeira função foi criar o espaço para que todos os pensamentos de Olorum saíssem de seu interior, tornando-se nas múltiplas realidades existentes.

Ou seja, Oxalá é o Orixá que cria todos os planos existenciais. Ele é o Orixá que gera o espaço fora de Deus, para que os outros Orixás atuem em suas próprias realidades e fatores. Ele é o Orixá criador mais antigo, e é aquele que está em ligação mais próxima de Olorum, a origem de tudo.

Na umbanda sagrada, a linha teológica que rege o TSA, Oxalá é o Orixá masculino do Trono da Fé. Para melhor entendimento, a palavra “trono”, na Umbanda Sagrada, pode ser interpretado como sendo a irradiação do Orixá, em nossa espiritualidade.

Oxalá ocupa o Trono masculino da Fé. Por “Masculino”, podemos entender como irradiador de energias, ou seja, ele irradia (emite) a energia da fé em nós. E por “fé”, não devemos considerá-la apenas no aspecto religioso.

A fé em nós mesmos, a esperança, a pacificação e a congregação de pessoas por um mesmo objetivo são fatores da Fé. Temos esperanças no futuro. Pacificamos nossas mentes, por acreditarmos que vamos conseguir enfrentar nossos problemas. Nos unimos a pessoas com a mesma crença religiosa que nós, a fim de vivenciarmos a religião. Esses são alguns poucos exemplos de como a fé de Oxalá atua sobre nós.

Voltando à teoria, conforme trazida por Pai Rubens Saraceni em “Doutrina e Teologia de Umbanda Sagrada” ( Ed. Madras), Olorum emana ondas geradoras de fé, amor, conhecimento, justiça, evolução, lei e geração as quais por sua vez geram fatores em sua forma pura que vão se fundindo entre si para gerar então os fatores mistos.

As ondas da fé são consideradas ondas congregadoras. Um dos fatores de Oxalá é a congregação de energias, na criação de novas realidades. Ele congrega todas as energias de pai Olorum, e então, quando criadas, exterioriza-as.

Por exemplo, um trabalho nas forças de Oxum (Orixá feminino do Trono do Amor), para trazer curas de problemas como a falta de amor próprio, traz a energia da Fé, pois envolve a crença do eu em si mesmo. Assim, o princípio de tudo sempre será fé, assim como Oxalá.

Esse é um dos motivos que o coloca como o Orixá regente dos Pretos Velhos. Lembram que falamos, em outras edições, que a umbanda é o culto aos espíritos ancestrais (os “fundadores”)? Pois bem, os nossos antigos ancestrais são os Pretos Velhos; e o Orixá que mais traz o fator de criação primeiro é Oxalá.

Mas claro que não é só isso!

Oxalá, por ser o primeiro Orixá criador, é aquele que rege a nossa fé, o que pode ser interpretado, nesse caso, como aquele que nos aproxima da energia mais pura de Olorum. E a fé pode ser entendida como eixo central das religiões, e o fator de identidade de pessoas negras sequestradas trazidas de África, nos macabros tempos da escravidão.

Foi a fé que permitiu que pessoas escravizadas de diversas partes do continente africano (falantes de línguas diferentes, cultuando Orixás diferentes) conseguissem resistir aos seus algozes, se organizar enquanto grupo social e religioso, e lutar por sua libertação. 

Nos cultos de Orixás da África, nos itans, os Orixás se ligavam uns aos outros por relações maritais ou por antagonismos (isso é, um Orixá homem é casado com uma Yabá, mas briga com outro). Porém, Oxalá  é cultuado por todos, assim como Exu. Porque ele é o criador. Aqui temos bons exemplos da onda congregadora da Fé.

Isso reflete bastante na forma como os Pretos Velhos atuam, pois os fatores que eles carregam trabalham no fortalecimento da fé dos consulentes. A fé dele em si mesmo, a fé dele no futuro, a fé dele em seus conhecimentos e habilidades, a fé dele em sua capacidade, dentre tantos outros aspectos.

Por isso que as giras iniciam cantando para pai Oxalá: porque ele, e seu poder da fé, é quem fez a umbanda nascer e que hoje nos une. Sem a fé, não temos Umbanda, não temos gira, não temos nada. 

Epa babá, Oxalá iê!

Obaluaê / Omolú

Quando falamos em Orixás que vestem palhas, encontramos Obaluaê e Omolú. Em nossa casa, na Teologia de Umbanda Sagrada, Obaluaê é um Orixá e Omolú é outro. Omolú é o Orixá do fim dos ciclos, enquanto que Obaluaê é o Orixá da transformação de ciclos.

Obaluaê é, de maneira geral, o Orixá masculino do Trono da Evolução, muito lembrado por tratar as doenças e trazer curas. E quando pensamos em doença, estamos falando de problemas de saúde e de outras ordens mais. O fato é que Obaluaê trabalha com a transformação de fatores de nossa vida, e a “doença” representa isso: o problema que precisa ser superado.

O Trono da Evolução vem proporcionar tanto a estabilidade como o movimento, que são condições essenciais para a evolução da vida. Desta forma, Obaluaê recebe deste Trono esta dupla qualidade para atuar na evolução de quem o busca, transformando o estado das coisas para um novo estado, de acordo com a necessidade e o merecimento de cada um, pois sem estabilidade nada se sustenta, mas sem transmutação tudo se mantém paralisado.

Mais do que isso, Obaluaê auxilia a evolução espiritual pelo enfraquecimento de nossos problemas, a fim de que nós mesmos superemos a eles. Ou seja, ele “adoece” nossos problemas, para que percebamos suas fraquezas e incongruências e assim, tenhamos a sabedoria para enfrentá-los. 

Na umbanda sagrada, Obaluaê é o regente do Trono masculino da Evolução. Ou seja, ele irradia (gera) uma força evolutiva sobre nossas vidas.

Obaluaê sinaliza as passagens de um nível vibratório ou estágio da evolução para outro, por isso é conhecido também como o “Senhor das Passagens” entre diferentes planos ou dimensões da vida, bem como do espírito para a carne e vice-versa.

Por esta razão ele é também considerado não somente o Orixá da Cura, mas também do bem-estar, da busca por dias e condições de vida melhores ou, de tudo que possa evoluir de uma condição para outra mais propícia. 

Obaluaê também trabalha com a sabedoria. Em algumas lendas, é filho de Nanã, a grande avó, trazendo o mistério da passagem e transformação, entre seus fatores, e o mistério do conhecimento sobre essa passagem.

Obaluaê, porém, é um Orixá circunspecto. Sua energia é de recolhimento e observação; ele é um Orixá que preza pelo aprendizado meditativo e silencioso. Ele traz o mistério da terra – a terra que absorve a doença, e que gera novos frutos.

Assim, quando precisamos de uma força evolutiva em nossas vidas, quando precisamos de um mudança em nosso estado, quando precisamos que um mal espiritual, físico, ou material seja enfraquecido, quando precisamos que uma ideia, energia ou força seja transformada, é para ele que devemos pedir ajuda: nosso grande senhor da terra Obaluaê. 

Atoto Obaluaê! 

Nanã

Ainda na linha dos Orixás Anciãos, temos também Nanã, a grande avó na Umbanda Sagrada, e Orixá regente do Trono Feminino da Evolução.

Nanã Buruquê é considerada dual pois traz consigo tanto a qualidade da maleabilidade que tem o poder de desfazer o que está paralisado ou petrificado, como a qualidade da decantação de desequilíbrios, vícios ou negativismos em tudo e todos.

Ela atua por atração magnética sobre os seres, que sofrem devido seu emocional em desequilíbrio, e portanto, muitas vezes paralisados em sua evolução. Sua função é fazer com que a evolução destes indivíduos seja retomada através da decantação de todo o negativismo que vai sendo sedimentado em seu “barro”, o qual mais adiante deverá ser remodelado e estabilizado por Obaluaê, colocando-os então novamente em movimento, ou mesmo, em uma nova senda evolutiva.

Desta forma, ela atua sobre os espíritos que estão prestes a reencarnar, decantando quaisquer sentimentos, mágoas e conceitos carregados por estes espíritos, diluindo acúmulos energéticos e os adormecendo em suas memórias para que sejam então reduzidos ao tamanho do feto no útero materno e reconduzidos ao nascimento na carne sem a influência de lembranças ou quaisquer vínculos de vidas anteriores. 

Por este motivo, Nanã é associada à senilidade, momento em que as lembranças do que foi vivido até então começam a diminuir de forma mais acentuada, associando-se assim aos nossos Pretos Velhos. 

Saluba Nanã!

Os Pretos Velhos e os Orixás Anciãos

Nossos queridos Pretos Velhos, entidades estas que muitas vezes nos remetem a um sentimento de saudades. Talvez pela proximidade destes momentos únicos que ficaram eternizados na memória, ao recebermos incontáveis afagos enquanto no colo de nossos próprios avós, estes sempre a nos lançar um sorriso faceiro enquanto contavam algum causo que quase irremediavelmente acabava por nos guiar em pensamentos por suas aventuras de juventude e infância que tantas vezes nos pareciam advindas de outros mundos ou realidades que não a nossa cotidiana.

Trazem consigo o cheiro, o gosto, o olhar, a humildade, a calma e o sorriso acolhedor dos anciãos, pois conquistaram a sabedoria através da experiência.

Seu arquétipo, remete a imagem de senhores e senhoras já de idade avançada e com muita experiência de vida, que viveram sob as mais adversas condições, subjugados à escravatura, e que mesmo tendo sofrido todo o tipo de violência e abusos, ainda assim foram capazes de encontrar a resignação e o perdão dentro de seus corações marcados por sofrimento e dor.

Portanto, sua linha de regência não poderia ser outra senão a ligada aos Orixás Anciãos da Umbanda Sagrada.

Ao captarem diretamente as irradiações geradas por Obaluaê, os Pretos Velhos tornam-se igualmente irradiadores de suas qualidades divinas, estabilizando e transmutando a vida de seus consulentes.

Quando observamos a incorporação curvada dos Pretos Velhos, é como se estivessem carregando as dores e o peso, consequências de sua idade avançada. No entanto esta característica é, na verdade, devida a ação de sua qualidade estabilizadora, que é telúrica (do elemento terra) na estabilidade e aquática na mobilidade, irradiadas à partir do Trono da Evolução através de Pai Obaluaê e captadas pelos Pretos Velhos para então as irradiarem, por sua vez, também a seus consulentes.

Quisemos tornar claro que a linha de Pretos Velhos atua sob a regência de Pai Obaluaê, que por sua vez atua conjuntamente com Vovó Nanã no Trono da Evolução, sendo o primeiro responsável pela transmutação das coisas e a segunda pela finalização de ciclos para dar lugar ao novo. 

Então, da próxima vez que se encontrar novamente sentado em um banquinho no Terreiro, cara-a-cara com um Preto ou Preta Velha, lembre-se do Trono da Evolução sob o qual estes trabalham, e que para evoluirmos em nossas vidas devemos estabilizar o que está em desarmonia, movimentar o que nos alavanca para uma condição melhor, decantar os vícios e venenos sob os quais nos submetemos muitas vezes até sem percebermos e, finalmente, nos permitirmos finalizar os ciclos nocivos dando lugar a renovação e a cura que buscamos em nossas vidas, sejam estas de ordem física, emocional ou espiritual. Isso tudo, por conta da fé. 

Adorei as almas! Epa Babá! Atotô Obaluaê! Saluba Nanã!

Autores: Lucas Grosso / Marcelo Vieira.

Professor e escritor de São Paulo, sou umbandista desde 2020, Escrevo Literatura, tenho formação em Letras e Oxalá de frente (aluno do desenvolvimento mediúnico de quinta-feira).