
O que une e separa Ogum de São Jorge?
A associação entre o orixá Ogum e o santo católico São Jorge é comum no Brasil, por influência do sincretismo religioso originário do período escravocrata do país. Nessa época, os portugueses, adeptos do catolicismo, não permitiam o culto às religiões de matriz africana, já que elas eram vistas como “cultos ao diabo”.
Assim, a maneira encontrada pelos escravizados era homenagear secretamente Ogum por meio da estátua de São Jorge. Alguns terreiros de Umbanda no estado do Rio de Janeiro deram continuidade ao sincretismo anos mais tarde. Contudo, as duas figuras são, de fato, diferentes.
O culto a Ogum teria começado na região da Nigéria, porque, segundo a religião iorubá, ele era o filho mais velho de Odùduà, rei e fundador da cidade de Ifé. Mais tarde, quando o seu pai perdeu a visão, Ogum assumiu o trono como rei regente. Como personagem histórico, era conhecido por ser um guerreiro.
De acordo com a Umbanda Sagrada, Ogum rege o Trono da Lei e é guardião do ponto de força positiva e negativa. O Trono da Lei é eólico e composto por dois polos magnéticos, no qual o orixá ocupa o polo magnético positivo, enquanto Iansã, o negativo. “Ele (Ogum) sempre nos avisará quando sairmos da linha de equilíbrio que divide Luz e Trevas”, afirma Rubens Saraceni, no livro “Umbanda Sagrada: Religião, Ciência, Magia e Mistérios”.
Nesse sentido, Ogum traz ordem e age com inflexibilidade, rigidez e firmeza, uma vez que não é permitida uma conduta alternativa. Ele é responsável pelo equilíbrio entre a razão e a emoção. Além disso, no livro de Saraceni, o orixá também é apontado como o responsável pelo impulso que motiva as pessoas a lutarem por algo ou alguém.
Já Jorge viveu durante o século III, na região da Capadócia, onde é a atual Turquia, e foi um soldado romano do período do imperador Diocleciano. Quando o guerreiro passou a não concordar com a perseguição do Império Romano aos cristãos e também virou devoto de Cristo, foi condenado à morte. No ano 494, a Igreja Católica canonizou-o por seus feitos, passando a ser conhecido, então, como São Jorge.
Também é dito que, após a morte, São Jorge reencarnou para proteger a princesa Sabra contra a morte nas mãos de um dragão na cidade de Salone, na Líbia. No catolicismo, o santo é visto como um espírito em evolução e possui muita força no imaginário popular.
Sincretismo que funciona até hoje
As duas figuras compartilham algumas características, como bravura, são guerreiros e protetores daqueles que mexem com o ferro. Por isso, o sincretismo entre Ogum e São Jorge funcionou tão bem, de forma que, até hoje, em certas localidades, como no estado do Rio de Janeiro, os dois são associados.
Com essa informação em mente, o escritor e historiador Luiz Antônio Simas, em entrevista ao portal G1, em 2024, até brincou que Ogum se encontrou com São Jorge em uma encruzilhada no Rio de Janeiro.
No dia 23 de abril, os fluminenses comemoram o dia de São Jorge e, consequentemente, também prestigiam Ogum, sendo o orixá considerado padroeiro do estado. A data é celebrada em terreiros de Umbanda, do Candomblé e na Igreja Católica. As festas não seguem um padrão único, sendo algumas mais focadas no aspecto da solenidade e outras na parte mais divertida e recreativa.
Um exemplo da força desse sincretismo religioso está presente em “General da Umbanda”, uma vez que Ogum e São Jorge aparecem associados. Confira abaixo:
Ogum é general da Umbanda
Cavaleiro de Aruanda
Vem pra Umbanda vem cá
Não há mal e nem demanda
Que Ogum com sua força
Não consiga derrubar
Vem montado em seu cavalo
7 lanças, Rompe Mato
Ogum Iara vem cá
Tenha medo feiticeiro
Salve São Jorge Guerreiro
Que chegou pra trabalhar
Ogum!
Grande general da Umbanda eu vou louvar!
Tenha fé nesse guerreiro
O amor de Sr Ogum espalha luz ao mundo inteiro
Ogum!
Grande general da Umbanda eu vou louvar
Tenha medo Feiticeiro
É do ouro de Oxum a armadura do guerreiro
Saravá Ogum
Vem me ajudar
Saravá Ogum
Vem me proteger
Oi salve Ogum, salve o povo de Aruanda
Saravá seu 7 Luas que chegou no meu terreiro
Saravá Ogum
Vem me ajudar
Saravá Ogum
Vem me proteger
Oi salve Ogum, salve o povo de Aruanda
Saravá seu Beira Mar que chegou no meu terreiro
Saravá Ogum
Vem me ajudar
Saravá Ogum
Vem me proteger
Oi salve Ogum, salve o povo de Aruanda
Saravá todos os Ogum que já chegou no meu terreiro
Ilustração: Fabiana Quarterola
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