Do desenvolvimento ao trabalho

Do desenvolvimento ao trabalho

Parece que foi ontem que pisei no TSA pela primeira vez e adivinhem? Era Gira de Preto Velho e sai de lá direto para a turma de desenvolvimento de Quinta-Feira.

  Daquelas cadeiras do fundo na primeira aula eu observava aqueles médiuns no desenvolvimento mediúnico, aquele Congá cheio de velas e sabia que era ali no meio daquelas pessoas que eu deveria estar e foi isso que fiz. 

  Eu não tinha nenhuma calça branca e nenhuma camiseta branca decente, corri para comprar e foi assim que a minha vida começou a mudar.

  Que nostalgia lembrar… Que eu não sabia cantar nenhum ponto (naquela época ainda usávamos máscara e dava para disfarçar), zero coordenação motora pra bater palma e nossa… Mas bate palma pra Exu ou Pomba Gira? Que horas eu abaixo? Que horas eu levanto? Joelho direito ou esquerdo no chão? [Sinto um cutucão, era a Carol Schneider minha grande amiga espiritual dizendo, é o outro joelho no chão, fico toda vermelha de vergonha e agradeço] 

  E essa turma toda com várias guias no pescoço? Quero também! Como faz?

Na hora certa, menina. Não se preocupe em ter guias agora.

  Meu Deus, tá todo mundo me olhando! Que vergonha, eu não sei cantar esse ponto. Não, não tem ninguém te olhando.

  O tempo foi passando, a Umbanda foi ficando cada vez maior em minha vida, eu já não carregava tantos pesos e dor como antes. A vida estava fluindo com mais leveza, estava mais feliz e também sentia lá no fundo que eu tinha me encontrado pela primeira vez na vida.

  Com o tempo comecei a identificar o que era pensamento meu, as vozes boas e as vozes ruins que conturbavam a minha mente.

  Todo finalzinho de aula teórica o pai Paulo fazia exercício de incorporação, passava quinta-feira, entrava e saia quinta-feira, foram semanas e meses. N A D A!

  Ficava balançando pra lá, pra cá, uma tontura aqui, um arrepio, abria os olhos e todo mundo incorporado e eu lá que nem uma pata.

  Questionei o Pai de Santo… O que eu estou fazendo de errado, pai? Por que eu não incorporo??

  E ele tranquilizante respondia: Calma, criança. Respira. Solta o racional que falta pouco. 

  Com o tempo eu percebi que me comparar com os outros médiuns só me afastava da minha essência, cada um tem o seu tempo, a sua sensibilidade, a sua caminhada e a sua história.

  As incorporações foram chegando leves, fluídas, sustentava pouco, as vozes cada vez mais frequentes, alguns dias eu conseguia sustentar por mais tempo e lembro de um dia que fui parar na porta de entrada de tanto que rodei. Como eu vim parar aqui??? QUE VERGONHA!

  O tempo foi passando, ganhei um novo desafio que era ir para corrente e ser cambone e que dia feliz foi quando recebi esse convite através de uma mensagem da minha amada mãe Carol.

  A gira treino é tão legal, né? Mas fico tão insegura! Não vou tentar nessa não, vou ficar aqui quieta. Essa não, hoje eu não estou bem. Xi, vai ficar pra próxima.

  Então, até que um dia deixei de lado o desejo de ter muitas guias, parei de me comparar com o coleguinha do lado, não perguntava mais o nome daquelas vozes, a ansiedade para saber os elementos foram diminuindo, apenas soltei o meu mental. Assim como o Pai de Santo dizia.

  Era gira treino de Baiano, levei o que ele tinha pedido, ainda muito insegura se iria incorporar para atender ou não, quando comecei a pensar, me vi no chão, com ele riscando seu ponto, acendendo vela, pegando a água de coco e dizendo com a voz mansa e alegre: Hoje fui mais rápido que o seu pensamento. Vamos trabalhar? A casa tá cheia!

  E foi assim que atendi pela primeira vez, numa gira treino, com a casa cheia e sabendo que ele estaria na frente e eu apenas de espectadora e aprendiz.

  O tempo foi passando…

  Domingo tinha sido Firmeza de Guia Chefe (tinha descoberto há pouco tempo que meu Preto Velho era meu Guia Chefe), sai radiante, feliz e completa.

  Corta para segunda-feira chegando atrasada na gira, me preparando para cambonar, escuto a mãe Carol chamando meu nome no microfone (me desesperei, pensei: o que fiz de errado, meu Deus do céu. E agora?), nossos olhares se cruzam e ela diz: Hoje você vai trabalhar, pega as suas coisas e se posiciona para o passe.Tremi na base, sorte que era gira de preto velho e a tremedeira veio de uma vez. Depois daquele dia… Não voltei mais a ser cambone.

  Soltei o mental, olhei de fora e deixei os guias trabalharem como deve ser feito.

  Hoje carrego a nostalgia dos meus primeiros dias de desenvolvimento, errando a letra, errando as palmas, sem saber a cor das velas dos orixás, sempre confundindo pemba com toco e a saudade da época que eu era Cambone, o tanto que aprendi e evolui como médium e como ser humano. Como foi importante ter sido cambone naquele período todo. Como foi importante ter escutado tantas consultas que no fundo também eram pra mim. Como foi importante ter ficado no passe e sentir toda aquela vibração, a mão fluindo ao redor do consulente, a energia que nos envolvia ali e o consulente saindo mais leve. Como foi importante diminuir a expectativa e não pular etapas.

  Era uma segunda-feira, o dia tinha sido corrido, cheguei em cima do horário, me troquei rapidamente e me concentrei, a casa estava cheia. O Pai Benedito veio, se preparou, pegou o seu café, o seu cachimbo e perguntou para a consulente em sua frente: Como posso te ajudar hoje, fia? 

  Depois daquele dia inesquecível, emocionante e único, nunca mais paramos de falar.

Autora: Ashleigh Bortolotti.

Relatos TSA é o autor coletivo do nosso jornal, dedicado a compartilhar histórias vividas ou contadas em nosso espaço sagrado. Seja para narrar momentos de fé, aprendizados espirituais ou manifestações marcantes, este autor simboliza as vozes que ecoam no terreiro, conectando cada relato à essência da espiritualidade e da tradição.