OGUM o primeiro orixá incorporado na Umbanda

OGUM o primeiro orixá incorporado na Umbanda

Uma das facetas mais interessantes da Umbanda Sagrada é que se trata de uma nova religião, que deixou sua tradição exclusivamente verbal, a partir, principalmente, dos livros e da fundamentação teológica trazida por Pai Rubens Saraceni. Não é exagero dizer que a grande maioria ainda está por ser estudada, decifrada e averiguada pela maioria dos umbandistas que, quando muito, conhecem o Guardião da Meia Noite. 

Então quando vamos fazer uma pesquisa simples, geralmente temos muitas surpresas e os fatos são curiosíssimos. Foi o caso com o presente texto. 

Essa história veio a partir da discussão dessa edição, sobre orixá Ogum, com a equipe do Jornal e com Pai Zanin, que sugeriu contá-la para deixar registrado esse fato na história para os nossos queridos leitores. 

Aqui voltamos ao início da Umbanda com Zélio Fernandino de Moraes, ano de 1908, desde que o Senhor Caboclo das Sete Encruzilhadas decidiu que uma nova religião deveria ser criada quando, dentro de uma casa kardecista, foi tratado com tamanho desprezo e preconceito ao ouvir que não possuía evolução suficiente para comparecer ao trabalho espiritual lá praticado. 

Zélio então fundou a sua Tenda da Nossa Senhora da Piedade no estado do Rio de Janeiro, e iniciou as suas práticas com entidades que se denominaram caboclos e pretos velhos, sobre as quais não há muitos registros a respeito. 

Porém, encontramos o livro do jornalista carioca Leal de Souza, seguidor de Zélio, chamado “O Espiritismo, a magia e as Sete Linhas de Umbanda”, considerado o primeiro livro sobre as Sete Linhas de Umbanda como praticamos hoje, da década de 1930, ainda disponível nas bibliotecas e livrarias para aquisição. Trata-se na verdade de uma coleção de artigos que publicou nos jornais da época, já com o intuito de combater o imenso preconceito contra a religião, que sofria grande perseguição das autoridades públicas brasileiras. 

Leal conta que frequentou por oito anos os trabalhos e que as incorporações de orixás eram raríssimas. Testemunhou apenas Oxóssi (chamado Euxoce) e de um Ogum, o Ogum Mallet, o primeiro, que por muitos anos acompanhou as Tendas fundadas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, sendo responsável por trazer inúmeros procedimentos e ritos hoje realizados na Umbanda. 

O Senhor Ogum Mallet, após cinco anos da fundação, se apresentou primeiro dentro da Tenda de Zélio, que era comandado por Pai Antônio. Era o espírito de um malaio (original da Malásia, Polinésia, ou áreas vizinhas), que não falava, comunicando-se através de gestos. 

Segue parte do relato de Leal: “Trouxe, do espaço, dois auxiliares, que haviam sido malaios na última encarnação, e dispõe, dentre os elementos do Caboclos das Sete Encruzilhadas, de todas as falanges de Demanda, de cinco falanges selecionadas do Povo da Costa, semelhantes as tropas de choque dos exércitos de Terra, além de arqueiros de Euxoce (Oxóssi), inclusive núcleos da falange fulgurante de Ubirajara.”

Sem dúvidas ele veio a trabalho e muito bem acompanhado. 

No primeiro encontro, diante de uma plateia consideravelmente curiosa e talvez descrente, o Sr. Ogum Mallet riscou pontos no chão e deles, passando a mão sobre como se recolhendo, materializou borboletas amarelas. Ao Sr. Leal, disse que uma delas o encontraria mais tarde em sua casa, e no outro dia após o trabalho, o que se sucedeu, segundo seu relato, uma pousando em seu ombro e, no outro dia, na sua cabeça.

Além dessas materializações, trouxe diretamente do astral a simbologia dos pontos riscados, que mais tarde serviria para identificar as diversas entidades que vem em terra nos trabalhos de Umbanda Sagrada. Introduziu ainda o culto aos Orixás por meio das oferendas na natureza, usadas para desfazer trabalhos de magia negra. Também utilizava de animais vivos em rituais para desfazimento de energias e trabalhos negativos. Fazia trabalhos de limpeza e descarrego dos médiuns antes da vinda do Caboclo das Sete Encruzilhadas chegar para dar sua doutrina. Chamado de “o Capitão da Demanda” trouxe toda a artilharia até hoje utilizada para combater tantos tipos de trabalhos negativos e magias. 

Atuava por meio de testes de fé, tendo provado seu conhecimento e sua grande força espiritual em inúmeras ocasiões, segundo testemunho de cambones que o auxiliavam. Sabia que seria testado também, e soube deixar seu marco na história como o primeiro Orixá a trabalhar em terra num terreiro de Umbanda, bem como seus procedimentos de luz e fé aos que seguem nessa religião. 

E terminemos com essa descrição de Leal de Souza: “Príncipe reinante, na última encarnação, numa ilha formosa do Oriente, o delegado de Ogum é Magnânimo, porém, rigoroso, e não diverte curiosos: – ensina e defende.”

Grande Ogum a todos ensinando e abençoando, desde a primeira aparição a quem teve a benesse de testemunhar, esses que então tiveram a generosidade de compartilhar aos futuros membros dessa linda comunidade e religião de Umbanda sua história.   

Que façamos a nossa parte de relembrar e passar para frente a história desses grandes espíritos e Orixás que vieram até nós para nos ensinar a combater as batalhas da vida com fé e resiliência, inclusive, a intolerância com a religião de Umbanda que ainda persiste sob o poder da ignorância. 

Ogum Yê meu Pai! Proteja-nos de toda intolerância e ignorância!

Ilustração: Fabiana Quarterola