Entrevista Mãe Carol

Entrevista Mãe Carol

1 – Como você descobriu sua vocação na Umbanda e o que a motivou a se tornar uma Mãe de Santo?

Eu acho que a Umbanda me descobriu. Por quê? Diferente do Paulo, que vem de uma família católica praticante, eu venho de uma família católica não praticante, na qual a espiritualidade, seja ela através de qualquer das religiões possíveis, nunca foi abordada muito em casa.

Católicos não praticantes, meus pais se casaram na igreja, e eu só fui ouvir falar alguma coisa sobre espiritualidade quando meu pai ficou doente, teve câncer, procurou um centro espírita e a cirurgia espiritual dele estava marcada para o dia 22 de janeiro, mas ele faleceu no dia 21 de janeiro. Então, para uma menina que perdeu o pai aos 14 anos e com essa relação, né… de que no dia seguinte ele ia ter uma cirurgia espiritual e não deu tempo, essa menina parou de acreditar em Deus.

Foi levada pelo marido a um centro de Umbanda, conversou com um Preto Velho e, naquele dia, o Preto Velho resgatou a minha fé em Deus, que estava lá guardadinha atrás de muita dor, de muita tristeza, de muita raiva, como, né… como que aquele Deus tinha levado o pai dela?! Então, acho que a descoberta começou aí, começou no dia em que esse Preto Velho, Pai Joaquim, mostrou para aquela menina que estava ali dentro de mim que eu podia ter fé, que eu podia acreditar que aquele Deus não era ruim, que meu pai foi porque era o destino dele, não porque não existia um Deus.

E ali tudo começou. Depois disso, muitas histórias se sucederam, não sem antes a espiritualidade ter que me dar vários chacoalhões. Tomei alguns chacoalhões, até, aí sim, descobrir a minha vocação dentro da Umbanda. Mas eu acho que eu posso dizer que tudo começou no dia em que esse Preto Velho resgatou a fé que aquela menina de 14 anos tinha perdido quando perdeu o pai.

O que me motivou a me tornar uma Mãe de Santo… eu acho que não dá para atribuir a um fato, mas sim ao longo desses anos todos. Foi uma construção. Eu nunca parei e pensei, quero ser uma Mãe de Santo. Isso estava acontecendo e, quando eu vi, a coisa já tinha tomado uma proporção que eu nunca, nunca, nunca sonhei, nunca sonhei. Mas acho que o que me motivou e que me motiva todos os dias é ver quanto amor eu recebo em troca, o quanto as pessoas confiam naquilo que a gente faz, naquilo que a gente fala. E aí vem uma sensação de responsabilidade muito grande também.

2 – Como foi sua caminhada de estudos até se tornar Mãe de Santo no TSA?

A minha caminhada de estudos até chegar a me tornar Mãe de Santo do TSA passa por alguns episódios um pouco engraçados até… Quando eu comecei, depois de muita resistência, comecei a me desenvolver na primeira casa. Eu comecei numa quinta e, na segunda seguinte, eu já estava na gira, eu já participava da corrente como cambone.

Então, comigo foi tudo muito rápido, muito radical, mas eu não sabia nada, absolutamente nada. Então, hoje, quando eu olho para trás e vejo as bobagens que eu respondia ou os erros nos nomes de Orixás e de nomenclaturas típicas da Umbanda, que hoje são tão comuns ao meu dia a dia, eu dou risada. Nessa primeira casa, o Pai de Santo fazia como uma provinha de tempos em tempos.

E logo que eu entrei no primeiro mês, ele fez essa provinha. Eu juro que eu não tenho nenhuma vontade de olhar as minhas respostas desse dia, porque era até vergonhoso. Eu não sabia como escrever os nomes, sabe? Eu sabia ali, já tinha ouvido as saudações de alguns Orixás, mas eu não fazia ideia de como escrever aquele nome, em Yorubá, com o qual eu sequer até então tinha tido qualquer contato. E aí, antes, nessa casa, o estudo era superficial; não tinha um momento de estudo aprofundado.

Ele era um pouco mesclado com a parte prática. Mas eu sempre fui muito curiosa, muito estudiosa. Sempre gostei de estudar. Então, depois que eu saí dessa casa, eu entrei para fazer o desenvolvimento mediúnico mesmo na casa do Pai Benedito, do Pai Cláudio Ricomini. E lá, sim, eu me formei, fiz o desenvolvimento mediúnico completo, todo o estudo. Depois disso, fui fazer sacerdócio. E aí, já com a nossa casa aberta, fui fazer sacerdócio com a Mãe Simone Zanetti e me formei sacerdotisa de Umbanda pelas mãos da Mãe Simone, que também traz a linha da Umbanda Sagrada, que foi filha do Pai Rubens e tudo mais…

3 – Como é a experiência de conciliar sua carreira como juíza e mãe, com seu papel como líder espiritual no Templo Sol de Aruanda?

Ah, eu diria que difícil. Difícil, mas não tão difícil quanto as pessoas imaginam. Por que eu digo isso? Porque eu escuto de muitos filhos, amigos: Carol, como você dá conta de tudo isso? E só contextualizando: é uma carreira como juíza, que por si só já seria o suficiente para tomar uma boa parte do meu dia. Costumo dizer que é uma carreira que não ocupa só de segunda a sexta – a gente leva trabalho à noite, aos finais de semana, 24 horas por dia. Somado a isso, como mãe da Luli, que tem 10 anos, do Bruno, que já é um adulto, já está com 18 anos, temos quatro cachorros Border Collie (que é um cachorro que também demanda bastante) e o papel de dirigente do TSA, com mais de 200 filhos de fé.

Mas quando eu olho pra minha personalidade, pro meu jeito de agir, eu sempre quero fazer um pouco mais. Eu sempre desejo algum papel a mais. Isso é meu. Muitas vezes preciso puxar um pouquinho o freio de mão pra entender que tenho os meus limites. Mas eu acho que com essa… com a personalidade que eu tenho, de ser muito agitada, muito organizada, eu acabo conseguindo conciliar todos esses papeis.

Então, eu costumo dizer que eu vou equilibrando os pratinhos, tentando trazer o maior equilíbrio possível para todos esses campos, o que não é fácil, mas, sem dúvida nenhuma, seja como juíza, seja como mãe dos meus filhos carnais e dos meus peludos, seja como mãe dos meus filhos de fé, não abriria mão de nenhum deles, por mais que seja difícil, trabalhoso e carregado de muita responsabilidade conciliar todos esses papeis.

4 – Quais são os principais desafios que você enfrenta ao liderar um templo com mais de 200 pessoas em desenvolvimento?

Olha, eu acho que, além dos desafios, administrar agenda, conseguir conciliar as agendas, os horários, a organização, que é sempre tudo muito trabalhoso. Então, sempre que vai ter algum evento, alguma festa, alguma gira especial, tem que organizar o que vai comprar, as comidas, as flores… então, toda essa parte organizacional é bem desafiadora. Desafiadora, não porque ela é difícil, mas porque demanda muito tempo e a nossa dedicação não é exclusiva à vida religiosa. Nós, como já falamos, temos nossas profissões, nossas famílias… então, ainda que ela fosse exclusiva à vida religiosa, seria trabalhoso. Agora, imagina não sendo exclusiva…

Um grande desafio é conseguir tempo para fazer tudo aquilo que nós gostaríamos, seja o tempo de organizar mesmo, de correr atrás de fazer, seja o tempo na agenda, porque hoje o TSA tem muitos eventos e, quando nós paramos para pensar e desejar introduzir um evento novo na agenda do TSA, nos deparamos com a dificuldade de agenda, né? Graças a Deus o TSA tem atividades, aulas e núcleos praticamente de segunda a domingo. Então, esse é um desafio, um primeiro desafio.

Um outro desafio, aí sim mais relacionado ao ser humano, é que não podemos esquecer de que, quando estamos à frente de mais de 200 pessoas, são pessoas dos mais diversos grupos sociais, econômicos, culturais… então, aqui me parece que é um dos maiores desafios e vou além: é até mesmo um desafio de vida. Por que eu digo isso? Porque muitas vezes, como dirigente, nós precisamos dizer não. E, por mais que como dirigente eu esteja convicta de que a melhor coisa a fazer é dizer não, seja para qualquer pedido que surgir, internamente, emocionalmente, como a mãezona que habita em mim, como boa filha de Iemanjá, dizer esse não doi internamente, mas aí Ogum vem na frente, fala mais alto e sabe que aquele não muitas vezes é até educativo.

Ele vai ensinar para aquele filho que existem limites, que existem regras para serem respeitadas, que existem outras pessoas envolvidas. Então, é muito comum, às vezes, um pedido para ter uma preferência, um pedido para ter um tratamento diferente. Tanto Paulo quanto eu temos muita segurança em dizer que, dentro do TSA, não importa quem seja a pessoa, se é nosso filho, se é nosso melhor amigo, se é nosso amigo há 50 anos… não importa quanto tempo, o tratamento vai ser igual para todos.

5 – Como você descreveria a jornada de crescimento do Templo Sol de Aruanda ao longo dos últimos seis anos?

Assustadoramente rápida. Acho que essa é a melhor descrição sobre a jornada de crescimento do TSA nos últimos anos. Porque, quando tudo começou aqui em casa, no pequeno Congá que nós tínhamos, um grupo de estudo, uma primeira reunião entre amigos, éramos em cinco. Depois, um grupo de estudo que no começo não passava de 10, 12 pessoas, foi crescendo, crescendo, crescendo…

Tanto da minha parte quanto da parte do Paulo, nunca houve uma pretensão ou um planejamento muito claro de “vamos abrir uma casa de Umbanda, vamos ter um templo de Umbanda”. Simplesmente foi acontecendo, foi acontecendo, foi crescendo, foi crescendo… E, quando nós olhamos para trás, nos assustamos.

Falamos: “Meu Deus, olha a proporção que isso tomou.” E eu acho que isso ainda nos assusta até hoje. É um susto bom, é um susto prazeroso, gostoso, porque o amor, por mais trabalhoso que seja, a gratidão, a energia boa que nós recebemos de volta, nós e toda nossa família, eu costumo dizer que não tem preço que pague. Mas eu acho que a trajetória foi assim, assustadoramente rápida. O TSA cresceu e, quando nós achávamos que não tinha mais porque crescer (“Não, agora chegamos num limite. Acho que tá bom assim.”), voltava a crescer – de novo. Mais uma vez: “Não, acho que agora, né… daqui não passa. Tá bacana. Temos um número bacana de médiuns, de alunos…” e continuava crescendo. E sempre a espiritualidade amparando tudo isso, dando seus pitacos e mostrando que o crescimento não tinha parado, que não parou. E isso continua nos assustando, mas de uma forma boa, repito, de uma forma boa.

6 – Quais são os principais valores e princípios que você busca transmitir aos membros do Templo?

Um dos principais valores que eu acho que eu busco transmitir e falo muito sobre isso nas aulas de quarta-feira é lembrar cada um dos filhos de que todos nós somos humanos, erramos, temos defeitos e qualidades. Por que eu trago isso? E como eu trago isso? Porque as pessoas idealizam um líder espiritual. É muito comum nós vermos fanatismos, pessoas que seguem um líder espiritual de uma forma cega, de uma forma fanática mesmo, sem qualquer tipo de questionamento ou de entendimento do que está sendo feito, do porquê está sendo feito.

E, seguindo a linha da Umbanda Sagrada, que é a Umbanda que nós seguimos, tudo dentro do TSA é explicado, é fundamentado, é passível de questionamento, de esclarecimento, de dúvidas e de livre arbítrio, de escolhas. Nada é obrigatório. Esse é um dos nossos lemas. Dentro do TSA, a espiritualidade deve ser leve, prazerosa, e nada é obrigatório.

Você tem que ter o seu entendimento. Se você deseja ou não fazer uma firmeza, se você deseja ou não participar de um amaci, é tudo muito bem explicado e fundamentado. Então, eu gosto sempre de lembrá-los de que, apesar de líderes espirituais, de Pai e Mãe de Santo, de dirigentes, nós somos seres humanos, nós erramos, nós acertamos. Nós temos defeitos e qualidades, e isso deve ser deixado muito claro para que não haja nenhum tipo de fanatismo, nenhum tipo de confiança e crença às cegas.

E como eu trago muitas vezes isso, principalmente para as minhas aulas? Trazendo coisas que acontecem comigo, no meu dia a dia, angústias, ocorrências, pensamentos, experiências que eu vivencio no meu dia a dia e que, acredito eu, através disso, eu consigo mostrar para eles que eu sou humana, de carne e osso. E que tudo aquilo que eles passam, seja no desenvolvimento espiritual propriamente dito, seja no desenvolvimento da vida como seres humanos, eu também passo no meu dia a dia. Então, se eles têm uma insegurança, uma dúvida sobre uma incorporação, sobre um atendimento, eu também tenho, guardadas as proporções, porque ali eles estão como médiuns iniciantes, muitos ainda nem incorporam, e eu tenho uma responsabilidade nas costas por ser dirigente de uma casa ao lado do Paulo. Guardadas as proporções, eu também tenho as minhas dúvidas. No lado mais profano, sem ser do lado espiritual, na minha vida, eu tenho meus conflitos, meus problemas, minhas angústias, sofro as demandas da vida, sejam elas de trabalho, sejam familiares.

7 – Quais são os rituais e práticas mais importantes realizados no Templo Sol de Aruanda e como eles contribuem para o desenvolvimento espiritual dos membros?

No TSA, nós temos vários rituais e práticas e todos eles são muito importantes, que vão desde o amaci que fazemos quando iniciamos o estudo de um novo Orixá, até o final, a oferenda tronal que fazemos ao terminar o estudo de um par de Orixás de um trono, passando pelo estudo das lendas, pelo que eu chamo de estudo técnico, que seriam as características, toda uma parte teórica e doutrinária sobre aquele Orixá. Isso na parte teórica, na parte prática, temos as incorporações, cada um a seu tempo.

No entanto, eu entendo que os rituais e práticas mais importantes são aqueles que fazem sentido para a pessoa. Porque, se tudo aquilo não fizer sentido para o aluno, para o médium em desenvolvimento, a importância se perde, se esvazia. Então, claro, temos uma série de práticas e rituais dentro do desenvolvimento mediúnico, tanto no aspecto teórico quanto no aspecto prático, mas aquilo tem que fazer sentido, tem que fazer sentido para o médium em desenvolvimento.

E como nós sempre dizemos, cada um no seu ritmo, cada um no seu momento, sem se comparar com o colega do lado, se está mais avançado ou menos do que você. A espiritualidade é sábia e cada um vai fazer a sua evolução de forma individual. Por isso que o desenvolvimento é individual. Trabalhamos em coletivo como uma egrégora, mas o desenvolvimento espiritual é individual.

8 – Como você vê o papel da Umbanda na sociedade atual e qual é sua visão para o futuro do Templo Sol de Aruanda?

Eu não tenho dúvida de que, atualmente, a Umbanda não só tem um papel importante, como vem conquistando dia a dia um espaço dentro de uma sociedade que já foi muito mais preconceituosa, discriminatória e que hoje aceita e acolhe cada vez mais os filhos dessa religião, as pessoas que professam essa religião.

Claro que ainda temos episódios de discriminação, de preconceito, não tenho dúvida disso, mas numa proporção muito menor do que já foi um dia. O que eu vejo hoje na sociedade atual são as pessoas se reconhecendo como pertencentes a essa religião. Essa religião é tão linda… coisa que no passado as pessoas não falavam, ou se escondiam atrás de um conceito genérico: “Ah… eu sou espírita.”

Quantos conhecidos eu tenho que descobriram depois de anos que eram umbandistas, mas que se escondiam através de um rótulo genérico ou “sou espírita”, com receio do preconceito? Quantos colegas de infância, de escola eu fui descobrir, depois de virar umbandista, de me converter à Umbanda, que eram umbandistas e nunca tiveram coragem de manifestar essa religião, essa escolha, naquele meio social que nós vivíamos há 20, 30 anos atrás, 40 anos atrás?

Então, não tenho dúvida de que a Umbanda, na sociedade atual, está ganhando cada vez mais espaço. Com relação à visão de futuro para o TSA, o que eu sonho, o que eu espero é que ele cada vez mais possa praticar o bem, trazer paz, amor para toda uma sociedade, para toda uma gama de pessoas que nós conseguirmos atingir. Que cada vez mais o TSA possa atingir mais pessoas que estão necessitadas.

9 – Você poderia compartilhar uma experiência significativa ou um momento especial que tenha vivenciado durante sua jornada como Mãe de Santo?

Olha, momentos especiais eu posso dizer que são todos. Quando eu acho que não vou mais me surpreender com mais nada, dentro da religião ou dentro do TSA, vem um novo momento especial.

Mas sem ser pedante, mas trazendo uma verdade muito, muito grande, eu acho que a experiência mais significativa como Mãe de Santo, e aí não somente como umbandista, mas especificamente como Mãe de Santo, foram as primeiras vezes em que eu fui chamada de ‘Mãe’. Aquilo foi muito forte. Muito emocionante, principalmente porque, no início, as pessoas que formavam o TSA, lá no início, aquelas primeiras dez, quinze, vinte pessoas, eram pessoas do nosso convívio, eram amigos de muitos anos. Então, era até estranho eles nos chamarem de ‘Mãe’, o Paulo de ‘Pai’, porque eram pessoas com quem nós já convivíamos.

Quando a nova geração começou a vir para o TSA, uma nova geração que não nos conhecia… não nos conheciam como a Carol juíza, o Paulo advogado, a Carol mãe, a Carol pessoa… conheceram a Carol como Mãe de Santo e passaram a me chamar de ‘Mãe’. E com um carinho, com uma verdade tão absoluta, tão plena… esse foi, acho, que um dos momentos mais especiais, e mais do que simplesmente usar o vocativo ‘Mãe’, mas a cada ‘Mãe’ que eu ouvia, eu podia sentir o quanto aquela pessoa precisava dessa figura materna, tinha alguma carência, alguma dificuldade de relacionamento em casa, ou mesmo era órfão, enfim, cada um no seu momento. Mas a verdade naquelas palavras, ‘Mãe’, de amor, de carinho, e não um simples rótulo, um simples “Ah, eu vou chamar a Mãe de Santo de ‘Mãe’ porque todo mundo assim faz”. Eu consigo sentir o amor, o carinho e a verdade em cada ‘Mãe’ que eu escuto. “Mãe Carol, me ajuda”; “Mãe Carol, quero agradecer”; “Mãe Carol, olha o que aconteceu comigo… como que eu faço aqui?”; “Mãe Carol, olha que maravilhoso. Consegui um emprego novo.” Então, acho que são esses os momentos mais especiais, não tenho dúvida nenhuma disso.