Entrevista Paulo Henrique Zanin – Parte 1

Entrevista Paulo Henrique Zanin – Parte 1

Entrevista Paulo Henrique Zanin
Jornal do Templo Sol de Aruanda
Fevereiro 2024
Por Ana Ceribelli

1 – Como foi o momento em que você foi convidado para participar de uma gira de esquerda? E, qual foi a sensação ao pisar pela primeira vez no terreiro de Umbanda?

Eu tinha um escritório na Bela Cintra, perto da Paulista, e trabalhava como um louco, não tinha muito tempo para espiritualidade, mesmo sendo um estudioso. E um amigo de longa data, que é um brincalhão, que considero meu padrinho do coração na Umbanda, me ligou e disse: Zan, vamos ao centro hoje à noite, comigo? Como eu não tinha conhecimento de umbanda, achei, na minha inocência, que era um centro Kardecista. Não vou dizer que fui pela empolgação da palavra centro. Fui mais pela empolgação de passar alguns momentos com o Marcão Tatu, que é um cara de quem eu gosto muito, sempre rimos muito. E então eu disse, ok, eu te aviso. Eu disse para a Carol que ia dar uma volta com o Marcão e voltei ao trabalho.

Após cerca de 30 minutos, minha secretária entrou na sala com o livro, O Guardião da Meia-Noite. Ela disse: Chefe, trouxe um livro para você, tenho certeza de que você vai adorar. Peguei o livro, achei que era um livro fino, 120 páginas, e pensei: – esse aí eu leio rapidinho. Larguei na minha mesa e continuei trabalhando. Então, o momento do convite foi algo como… eu ia para um lugar de que não tinha ideia. Vou até te dizer o dia: 25 de setembro de 2015.

Quando eu entrei na casa, a gira já tinha começado. Eu virei para o altar, o trabalho, as pessoas já estavam incorporadas. E eu fiquei parado, meu corpo parou, parou de se mover. Imagine eu, um gigante, de terno e gravata, no meio do salão, em pé, parado. Lembro de algo que me atravessou de uma forma… eu não sabia mais onde estava, sabe? Aquilo me emocionou.

O Marcão me perguntou: está com medo, Zanin? E acho que, imbuído daquela energia, virei para ele e disse, sem pensar: Não Marco, estou em casa. Ele se assustou com minha resposta e saiu. E foi aí que o Tranca Ruas me chamou e ele disse que eu tinha cabeça e coração para tocar um lugar assim. Eu não tinha ideia do que ele estava falando. Eu disse a ele que não era médium.

Quando desci, Marcão me apresentou a algumas pessoas do terreiro, e eu fiquei muito intrigado, ainda um pouco sobrecarregado por aquela quantidade de energia. Perguntei o que poderia ler para entender o que eu tinha vivido ali.

E todos disseram, “O Guardião da Meia-Noite”. Eu disse: ganhei esse livro da minha secretária hoje. Todos olharam para o lado e começaram a rir. Voltei para o escritório, peguei o livro, fui para casa, li o livro inteiro. E então tudo começou.

2 – Quando descobriu que tinha a missão espiritual de se tornar Pai de Santo? Como esse momento influenciou sua vida e prática espiritual?

Foi assustador quando eu entendi que na primeira vez em que eu pisei na Umbanda, uma entidade virou pra mim e falou: Você tem cabeça e coração pra tocar um lugar como esse. Desde o meu primeiro dia na Umbanda, não existe uma pessoa que não virou pra mim e falou: Você vai ter uma casa, você vai ser um sacerdote.

Até o Léo, meu sócio e amigo, quando ele me escutava falar da Umbanda, ele falava assim: Zan, você vai ter uma casa. Eu fui numa cartomante e ela sentou e falou: Você vai ter uma casa, eu não tinha falado nada de Umbanda. Para todo lugar que eu ia, as pessoas falavam, você vai ter uma casa, você vai ter uma casa.

Eu não sei se pela energia, pelos guias, pela forma apaixonada. Eu estava no desenvolvimento, no Cláudio, e um guia dele veio e falou, você tem a missão de abrir uma casa. Todo mundo sempre falou pra mim que eu tinha missão de abrir casa, sempre.

Acho que até o Vô José na Ayahuasca estava querendo dizer pra mim essa história do desenvolvimento, da magia, do sacerdócio, mas ele não falou sobre casa. Ele falou: “esta é a formação, a casa que eu quero que você seja como umbandista, você como pessoa seja”. Então eu achava sempre que ele estava falando pra mim, sobre mim, da minha evolução. Mas tudo fez sentido em um atendimento.

Um atendimento de magia divina, em que eu recebi uma moça que eu conhecia e que ela tinha passado por um momento muito, muito difícil. De abuso. Ela chegou em casa toda ressecada, toda torta, toda cheia de problemas, e eu a conheci ela por ser parente de um amigo meu.

Era uma moça bonita. A Carol, quando a viu, não a reconheceu pelo tamanho da desfiguração em que ela estava. E naquele dia eu demorei quase 40 minutos para convencê-la de que ela tinha sofrido um abuso. Convencer não, né? Para clarear na mente dela que ela tinha sofrido um abuso porque o pai de santo dava banho de pipoca nela no quarto escuro, sem roupa, roupa íntima, enfim. Ele literalmente, tirando até da parte física do abuso sexual, ele literalmente drenava as energias dela, parecia que ela tinha sido sugada.

E aí, depois que ela chorou bastante, depois que ela reconheceu, que ela caiu em si, eu tive a oportunidade de ativar uma magia divina para ela: a magia dos Sete Anjos Sagrados. Fiz o tratamento e depois ela me mandou mensagem. Eu continuei dando conselho, continuei ajudando por um tempo e teve uma hora em que eu conseguia sentir a energia dela, de como ela se conectava comigo e o quanto ela acreditava nas minhas palavras, na minha orientação, no que eu estava passando para ela e, em uma das últimas vezes em que a gente se escreveu, eu escrevi assim: “Que Oxalá te abençoe.” Mas eu queria escrever: “Que Oxalá te abençoe, minha filha.” Foi a primeira vez em que eu tive vontade de chamar alguém de ‘filha de santo’. 

3 – Como você vê a intersecção entre a fé que te trouxe à Umbanda e a geração do Templo do Sol de Aruanda? Como esses elementos se entrelaçam em sua prática espiritual?

Confiança. Desde o primeiro momento eu nunca duvidei da espiritualidade. Nunca. Nunca falei não, não vou fazer o que a espiritualidade e o que o Vô José está me falando para fazer.
Até quando eu quis convidar pessoas lá pro início em casa e o Vô José disse não: Eu falei como assim, não? Essa pessoa está do meu lado, está comigo 24 horas por dia, essa pessoa tem que estar aqui. Ele falou: “não, confia”.

Tempo depois eu entendi o porquê, mas eu confiei. Sabe, eu acho que é isso, eu nunca deixei de ter confiança. Como montar, como fazer, a espiritualidade vem e fala e eu faço exatamente o que a espiritualidade me diz para fazer.

Foi assim lá atrás no começo, quando o Vô José pediu para que eu fizesse o desenvolvimento, a magia divina, o sacerdócio, e eu fui sem saber o que eu estava fazendo. É da mesma forma até hoje, quando ele pede uma aula especial, e eu digo: Tá bom, então me diz o que vai ser dado nessa aula, e ele me fala ali na hora. E quem vive essas aulas sabe do que eu estou falando. 

Então confiar nas entidades, o salto de fé, tudo que eu sempre falo para os alunos, para os filhos e filhas nas aulas, é confiar, confiar que é um caminho, a entidade está ali, ela está falando, ela está te orientando, é só uma questão de deixar acontecer, e pelo menos para mim é isso que me entrelaça desde lá de trás até hoje na prática espiritual, e eu continuo confiando neles.

Quando a nossa festa da praia esse ano não aconteceu em dezembro e a gente soube que a gente faria em fevereiro, não fui eu que decidi descer para a praia, para fazer alguma coisa ali na hora com quem estava lá. Foi o João, o marinheiro, quem disse: “desce pra praia e acolhe os teus filhos e vamos fazer alguma coisa”. Eu vou fazer o que? Ele falou: “não interessa, quem vai fazer sou eu”. Óbvio que ele não falou assim, mas… E nós descemos e foi uma cerimônia lindíssima. Imagina se eu não confiasse e falasse assim, não, a festa já tá garantida dia 3 de fevereiro, não precisa fazer nada, deixa eles lá, tá todo mundo se divertindo na praia e tá tudo bem. Teria perdido uma vivência, uma experiência que a gente teve ali, que até pra mim aquilo foi muito intenso e muito forte. Então a confiança é algo que entrelaça, que me toma, desde o começo até hoje.

4 – Pode compartilhar um pouco sobre a sua abordagem à magia divina e como ela se integra à sua prática espiritual dentro da Umbanda. 

Vô José pediu que as magias divinas fossem as minhas paredes, os graus fossem as minhas paredes. E sem saber quantos graus tinha, ele disse para que eu fizesse todos, todos que são possíveis, porque tem muito mais no plano astral. E assim eu cumpri a minha missão. Eu fiz todos os graus de magia divina.

A magia divina, ela não é religiosa, ela não é da Umbanda, ela é uma egrégora específica. Só que ela te agrega muito conhecimento, ela te agrega muita proteção e ela te agrega ferramentas indispensáveis no auxílio ao próximo. E eu acho que é aí que, para mim, ela se torna indispensável.

Eu falo muito nas aulas introdutórias de magia divina. Divina, por que a gente não pode ter ego na hora de resolver um problema quando alguém vem pedir ajuda. Eu falo para as pessoas que eu me sinto em uma caixa de ferramenta e quanto mais ferramentas diferentes eu colocar naquela caixa, maior o número de problemas eu vou poder ajudar a consertar.

Então, por exemplo, chega alguém para mim e pede ajuda, eu não entro naquela ideia de “eu só vou ajudar com a umbanda”. Também não entro na ideia “só vou usar magia divina”. Eu simplesmente paro, penso e peço: ”Com qual egrégora eu vou ajudar nesse caso?” E às vezes é magia divina, às vezes é umbanda, às vezes eu trago gente de fora.

A magia divina para mim entra como uma grande ferramenta para auxiliar as pessoas, porque mesmo quando elas vêm procurar a figura do pai de santo, não do mago, muitas vezes é a magia divina que resolve o problema daquela pessoa; e muitas vezes as pessoas vem me procurar como mago, e aí não é uma magia, e sim um procedimento religioso que resolve a vida da pessoa.

5 – Atualmente o TSA (Templo do Sol de Aruanda) conta com 120 médiuns em sua corrente e mais de 170 alunos no desenvolvimento. O que você sente ao ver a casa crescendo dessa maneira?

Primeiro o frio no estômago. A gente não escapa dos sentimentos e das emoções da carne. É uma tremenda responsabilidade poder ajudar, orientar, conversar, falar, guiar, rir, chorar, acolher, brigar, dar bronca em mais de 170 pessoas, 170 almas humanas.

A gente fala alunos do desenvolvimento, mas eu trato e sinto todo mundo como filho e filha, como se fosse filho e filha. Por isso que muitas vezes vocês me vêem falando “tchau criança, vai com Deus criança”. A expressão criança, quando eu falo pra vocês, representa muito esse meu sentimento de pai, sabe? Essa coisa de querer estar ali, querer estar junto.

Minha maior felicidade é quando eu vejo um filho de fé crescer, ganhar, conquistar as coisas, porque eu acho que o exercício do pai é isso, é dar a força, é transmitir a força e a segurança para que os filhos conquistem a vida, conquistem o mundo, no nosso caso conquistem a espiritualidade.

A hora em que eu vejo a casa crescendo, eu confio nas palavras do Vô José, que diz que será do tamanho que tem o meu coração. E segundo ele, o coração é grande e cabe muita gente. Então, a gente deixa literalmente aberto para a espiritualidade. Se tiver que diminuir, eu não tenho o menor problema em diminuir, ir para um lugar menor, e se tiver que aumentar, ir para um lugar maior, se tiver que aumentar de novo, ir para um lugar maior, eu não vejo porque problema. Eu confio na espiritualidade e eu vou segui-los enquanto eu puder.

Mas que dá um frio na barriga… é uma delícia ver mais de 170 sorrisos, é muito gostoso ver o movimento da vida de vocês… é muito gostoso poder participar da vida de vocês dentro da nossa, do que cabe a nós.

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Tamara Carvalho

Iluminado seja o caminho de vocês sempre para nos guiar pelas estradas da vida aqui na terra.
Gratidão por tanto!